Começo a ler Memórias do cárcere, programa para as férias, e logo nas primeiras páginas dou de cara com o dito famoso de Graciliano Ramos, tão citado:
"Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe a acabamos às voltas com a delegacia de ordem política e social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer. Não será impossível achar nas livrarias libelos terríveis contra a república novíssima, às vezes com louvores dos sustentáculos dela, indulgentes ou cegos. Não caluniemos o nosso pequenino fascismo tupinambá: se o fizermos, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos dará crédito. De fato ele não nos impediu escrever. Apenas nos suprimiu o desejo de entregar-nos a esse exercício." (RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. 44.ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 12.)
Graciliano alude ao Estado Novo, ditadura instaurada por Getúlio Vargas, e que arbitrariamente o deteve, conduzindo-o à prisão, em março de 1936: "Naquele dia do mês de março de 1936, porém, sem qualquer explicação, fui preso e remetido para o Recife, onde passei dez dias incomunicável. Depois fui metido no porão do Manaus e vim pra cá [Rio de Janeiro]. Tive dez ou doze transferências de cadeia." (SENNA, Homero. República das letras. Entrevistas com 20 grandes escritores brasileiros. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.204.)
Isso move Graciliano Ramos a escrever, dez anos depois, as Memórias da prisão, como declara a Homero Senna, obra que só foi publicada postumamente, com o título Memórias do cárcere. Fiquei cogitando do trecho final da fala, qual seria a diferença entre impedir de escrever e suprimir o desejo de escrever. Parece-me, inclusive, que o segundo caso é pior, pois no primeiro ainda se entrevê a possibilidade do desejo, que é a possibilidade da escrita.
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