Explico. Fui à escola cumprir algumas obrigações de rotina, como fechar e entregar notas. Daí, como nunca sei o dia do mês (embora sempre saiba o dia da semana, o mês e o ano), perguntei aos colegas que lá estavam, uma, duas, três, várias vezes, que dia é hoje? 13 de dezembro. Logo me lembrei: dia de Santa Luzia. Continuava esquecendo o número (o dado banal), mas não a data. Quem teve infância no interior sabe: Santa Luzia passou por aqui com seu cavalinho comendo capim. A brincadeira consistia em, na véspera, portanto dia 12, à noite, colocar na janela porções de fubá para o cavalinho da Santa, e no outro dia o recipiente aparecia cheio de balas. Meus pais contavam essa história, e eu, pelo menos, acreditava, e era tão bom dormir à noite imaginando a Santa chegar, pegar o fubá e fazer a troca pelas balas. Finda a infância, a gente acaba descobrindo... Mas o detalhe é que isso era muito mais importante que presentes de Natal, que aliás nunca tivemos (pois se trata de uma invenção do comércio, portanto das cidades). Quando, na cidade, tomei contato com a figura de Papai Noel, achei-a deslocada do meu universo. Certa feita, creio mesmo ter divisado no quintal (havia chovido) uma pegada do tal cavalinho. O fato é que isso valeu a ida à escola. De mais a mais, já que eu estava lá, o negócio era azucrinar quem estivesse por perto. A dada altura eu disse, não sei mais por que motivo, que o silêncio é a ausência de cores (naturalmente lembrava-me do filme de Wim Wenders). Os colegas da física e da matemática olharam de soslaio. Nenhum deles tinha ideia de quem era o cineasta, e elucubrações (detesto essa palavra) começaram a ser feitas, envolvendo até o nome de Cecília Mireles, que teria sido péssima aluna em física. Outra elububração é que eu teria fumado algum, ao que respondi, lembrando uma crônica da Clarice Lispector, que eu sou meu próprio LSD. E de tal forma, que essa lembrança assim tão inesperada, de Santa Luzia, foi o modo que encontrei de me dar os doces e balas da infância trazida pela lembrança. Santa Luzia, segundo o mito cristão, é protetora dos olhos e da visão. Ando vendo coisas demais, queria conseguir ver impressa (tal como a patinha do cavalo no barro da infância) a alegria das escolhas acertadas, ainda quando aparentam enorme confusão. Santa Luzia passou por aqui, sem dúvida...
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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