Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Alexei Bueno

 A LUZ

Se nunca a um cego nato alguém falasse
As palavras cegueira, ou vista, ou cor,
E do mundo a feição falsificasse
De um modo em que normal fosse o negror,

E das artes do ser só lhe ensinasse
As que as trevas têm forças de compor,
De forma que o universo aparentasse
Ser lógico no escuro esmagador,

Este cego, educado em outra história
Sem pintores, sem astros e sem glória,
Forjada em mãos e sons, mesquinha, aqui,

Um dia, a colher ervas, preso à estrada,
Sentiria em seus olhos mais que o nada,
E o horror de algo que falta. Igual a ti.

BUENO, Alexei. As escadas da torre. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.143-144.

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