Tem se repetido: não consigo dormir sem escrever, sem passar por aqui e deixar algo da minha caligrafia. Recebi hoje a poesia completa de Álvaro de Campos, meu preferido na confusão (ou concerto) de vozes pessoana, à parte O banqueiro anarquista. Então, ocupando toda uma página, um único verso, sem título ou qualquer outra indicação, exceto o número que dá sequência aos poemas (42):
Vou atirar uma bomba ao destino.
O poeta não diz que quer atirar: diz que vai. E se o gesto de atirar a bomba estiver inscrito no destino? Não há, tal como se concebe tradicionalmente o destino, como não estar, de forma que Álvaro de Campos voou longe aqui, pilhando séculos de construção metafísica em torno da noção de destino, que é o que ele efetivamente tem sob mira. Ou seja, ele não está falando apenas de seu destino, está falando do destino, da construção que mistura superstição e intelecção para erigir uma das noções mais tirânicas de que se tem notícia, o grande procurador dos negócios humanos, no dizer de Machado de Assis. Atirar uma bomba ao destino: eu queria ter fôlego para alcançar a revolução proposta neste verso.
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