Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 19 de julho de 2011

Fernando Pessoa

...
Uma gaivota que passa,
E a minha ternura é maior.

Álvaro de Campos. Ode marítima. Fernando Pessoa. O eu profundo e outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p.224.

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrado no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

Alberto Caeiro. O guardador de rebanhos. Fernando Pessoa. O eu profundo e outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p.161-162.

Nenhum comentário:

Postar um comentário