Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 20 de julho de 2011

aos amigos (sem o possessivo)

Hoje (mas já quase deixando de ser, pelo avançado da hora) é dia do amigo. Ontem me encontrei com minha queridíssima Maria Fernanda, sem adjetivos que cheguem, e muita coisa conversamos no café da Travessa. A nenhuma de nós duas, durante toda a tarde e a conversa, ocorreu que o dia seguinte seria dedicado ao amigo. As efemérides atendem a coisas muito distintas da imagem que projetam, e por isso o dia do amigo não vende, não se transformou em anúncio de perfume, roupa ou celular. Amizade, arte, cinema, música, literatura, Clarice Lispector, minha paixão por Bob Dylan... muitas coisas tomaram corpo nas palavras com que íamos tecendo a tarde. No entanto, um dos primeiros temas da tarde, enquanto as esquinas do Centro iam mostrando suas possibilidades de um lugar para sentar sem muita agitação, foi o Clube da Esquina. Também falei deste espaço, do inusitado de me comunicar com pessoas que, em boa parte, não conheço pessoalmente, mas que despertam minha simpatia, algo que parece ser recíproco. Por seu turno, são poucos os amigos do mundo real que frequentam este meu outro lado, simplesmente porque não lhes parece dizer respeito, e está tudo bem que seja assim. Estão em outra vibe. Nas projeções da linguagem que este espaço faculta, novas vibes vão se produzindo. A tarde com a Maria Fernanda é insubstituível, porque a própria Maria Fernanda o é. Mas também não posso mais prescindir de escrever, esse ecoar da voz sem rumo certo. Então com a linguagem é possível entreter uma relação de amizade, que permeia as próprias relações. Fiquei particularmente sensibilizada ao revisitar, via sessão de análise e Clarice Lispector, a questão do simbólico. Foi tão forte que chorei na sessão e, na minha sensação de impotência, a analista percebeu a delicadeza de tudo e silenciou. Quando me encontrei com Maria Fernanda, a primeira coisa que disse é que havia chorado na sessão. Sem isso, esse poder falar, não haveria a leveza da tarde que se seguiu, o muito que coube no encontro. Os encontros e suas esquinas. As esquinas dos encontros. Nas esquinas, o encontro.

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