Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 17 de julho de 2011

um épico, sem dúvida, a mostrar a pequenez dos séculos

Ebstorf Mappamundi, 1236


ORIGEM E FORMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Amini Boainain Hauy
 [Segismundo Spina. História da língua portuguesa. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008, p. 22-33]

A origem e o desenvolvimento de tão diferentes e numerosas línguas no mundo são um problema tão complexo e discutido quanto o da gênese humana. É possível que a linguagem se tenha desenvolvido de forma independente em vários centros, ou, única, se tenha ramificado em evoluções divergentes, na história dos povos.
A monogênese linguística é, todavia, bíblica, e a ciência moderna ainda não renunciou à pretensão de descobrir se houve uma língua primitiva , da qual teriam derivado todas as línguas atuais. O fato é que, pela falta de documentos que permitam uma base sólida à indução pré-histórica, as doutrinas do poligenismo e do monogenismo, racial e linguístico, atravessam os tempos, deixando sempre respostas hipotéticas e divergentes.
Sabe-se, com certeza, que a língua portuguesa e os demais idiomas românicos são o resultado de uma lenta e conturbada transformação, através dos séculos, de uma outra língua, o latim, que por sua vez era transformação de outra, o indo-europeu, falado por um povo quase sem história, ao qual se convencionou chamar ariano ou ária.
Muitas são as hipóteses sobre o berço dos árias. Supõe-se, entre outras teses, que seu habitat era a região compreendida entre certa parte do centro da Europa e a leste, estendendo-se até o Turquestão e as estepes russo-siberianas. Em época muito remota (pelo menos de quinze a vinte mil anos antes de Cristo, na estimativa do geólogo Montélius), saíram desse território diferentes tribos, as quais, disseminando-se pela Europa, levaram consigo sua língua: o indo-europeu, também chamado indo-germânico ou ariano.
Nunca se conseguiu reconstruir este idioma, que não foi fixado pela escrita [...] embora não se tenha chegado a uma recomposição dessa língua primitiva, da qual provêm quase todas as atualmente faladas na Europa e Ásia, pesquisas realizadas no começo do século XIX pelo filólogo alemão Franz Bopp demonstraram, pelo método da gramática comparada, o parentesco linguístico das línguas indo-europeias e provaram [...] a existência do indo-europeu.
Nas sucessivas e seculares migrações do povo ariano, o indo-europeu, em contato com outros falares, fracionou-se em diversos ramos, como, por exemplo, o germânico, o itálico, o báltico, o eslavo, o celta, o albanês, o grego, o indo-irânico e o armênio (ao grupo germânico pertencem o inglês, o alemão, o sueco, o dinamarquês, o holandês, o islandês e o norueguês). Desses, o que mais interessa à história do português é o ramo itálico, ao qual pertencem, entre outros, o umbro, o latim e o osco, línguas respectivamente do Noroeste, do Centro e do Sul da Península Itálica. Provavelmente por volta do segundo milênio antes de Cristo é que começou a penetração ariana na Itália.
O latim era o língua dos latinos, povo de costumes simples e rudes que habitava o Lácio, região da Itália Central. Roma, fundada hipoteticamente em 753 a.C., a princípio não passava de uma simples cidadela; porém, dada a sua localização estratégica, não tardou a exercer uma suserania efetiva sobre algumas das cidades mais importantes, e os romanos, dotados de grande tino político e guerreiro, no século III a.C. já tinham dominado toda a Itália, com exceção do Vale do Pó, onde os gauleses permaneciam independentes.
Com o aumento crescente de poder, aumentava a ambição da conquista, e os exércitos romanos espalharam-se, durante séculos, por quase todo o mundo conhecido, numa ânsia desmedida de domínio, subjugando os povos e a todos impondo seus costumes e sua língua: o latim vulgar. De tal forma os povos conquistados assimilaram a influência do conquistador que, mais tarde, o que se denominou de “os romanos” foi, na verdade, o amálgama dos povos conquistados, romanizados. A todos os habitantes do Império foi concedida pelo imperador Caracala, no ano 212, a cidadania romana.
As conquistas romanas começaram em fins do século IV a.C. e continuaram até pouco depois do século I da Era Cristã. Roma, que vivera uma lendária monarquia e uma áurea república, tornou-se a capital do mundo e implantou, oficialmente, em 27 a.C., o Império.
Terminadas as conquistas, tal era a vastidão do Império, tantas as dificuldades de transporte e de locomoção e tantas as vicissitudes internas que o controle de Roma se distanciava cada vez mais de seus domínios e se enfraquecia nas mãos de um só imperador, muitas vezes inepto. Além disso, uma séria crise, iniciada a partir do século III, levou o sistema econômico, social e político do Império Romano a uma completa desintegração no século V. A diminuição da produção nos latifúndios, provocada pela escassez de mão-de-obra escrava, foi uma das várias causas dessa crise. A doutrina cristã, legalizada pelo imperador Constantino em 313, com a publicação do Édito de Milão, e transformada em religião oficial do Império em 391, quando o imperador Teodósio aboliu definitivamente o paganismo, proibia a escravidão. Além disso, desastrosas foram as pestes de origem asiática que assolaram a Europa nos séculos II e III.
Assim, à medida que o Império se enfraquecia, aumentavam suas dificuldades militares e cresciam, nas fronteiras, as investidas dos povos germânicos (bárbaros). A partir de meados do século III, a história cultural de Roma entrou também na Era do Obscurantismo.
Em 395, o imperador Teodósio, numa divisão mais administrativa do que política, dividiu o Império Romano em dois: o do Ocidente, com capital em Roma, e o do Oriente, que abrangia a Península Balcânica, a Ásia Menor, a Síria, a Palestina, o Norte da Mesopotâmia e o Nordeste da África, com capital em Constantinopla. Constantinopla (hoje Istambul), fundada em 330 pelo imperador Constantino, na antiga colônia grega de Bizâncio, tornou-se, por sua localização geográfica privilegiada e pela proteção das altas muralhas que a circundavam, a capital ideal numa época de convulsões militares.
O Império do Ocidente já estava, então, em plena decadência, esfacelado pelas invasões sucessivas dos bárbaros, quando em 476 caiu em mãos do bárbaro romanizado Odoacro, um alto oficial do exército romano, germano da tribo dos hérulos. Odoacro derrubou o último imperador do Ocidente (Rômulo Augústulo) e se fez proclamar rei da Itália, aliado do Imperador do Oriente. O Império parecia, então, reunificado, mas, na realidade, o Imperador mandava apenas no Oriente, pois, no Ocidente, reconhecidos como aliados, dominavam os bárbaros.
Depois da queda do Império Romano do Ocidente, as regiões se isolaram e cada uma teve um desenvolvimento peculiar; formaram-se, então, numerosos reinos bárbaros (franco, suevo, visigótico) que se desenvolveram durante toda a Idade Média e, a partir do século IX, transformaram-se, cada um com sua história e romanço, nos países europeus da Época Moderna.
O Império Romano do Oriente, entretanto, teve uma política mais de estabilização do que de expansão de domínio e, embora ameaçado desde o século VI pelas invasões eslavas, conseguiu sobreviver como unidade política até 1453, quando o Islamismo alcançou seus territórios e os turcos, com os poderosos canhões de Maomé II, destruíram as grossas muralhas que protegiam Constantinopla.
Formado já sob o prestígio da mais rica e bela civilização da Antiguidade, a civilização grega, o Império Romano do Oriente, embora inicialmente se tivesse submetido à administração romana, continuava profundamente helenizado e exercia grande influência sobre a civilização dos conquistadores romanos, sobretudo na língua. O próprio Cristianismo italiano, até o século II, usava a língua grega na liturgia.

É claro que a Grécia, que, no dizer de Horácio, de avassalada se tronou avassaladora, contribuiu mais que nenhuma outra das nações com que os Romanos se tinham posto em contato para esta tamanha revolução; a leitura de seus poetas inspirou naturalmente o desejo de imitação, e o conhecimento, cada vez mais difundido, do grego, foi um auxiliar valioso para o aperfeiçoamento da língua; de tal maneira aquele influiu nesta, que por fim o seu léxico, a sua versificação e sintaxe eram em grande parte gregos. [José Joaquim Nunes, Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, 7.ed, Lisboa, Clássica Ed., 1969, p.6.]

 A língua literária, no contato com civilizações mais adiantadas, como a grega, vicejou extraordinariamente na vasta e rica literatura latina, até que, com a invasão dos bárbaros, desaparecendo a nobreza, passou a ser cultivada apenas nos mosteiros. Como herdeiro do latim clássico, esse latim de Igreja, também chamado latim eclesiástico, medieval ou baixo latim, escrito gramaticalmente, mas eivado de palavras novas, tomadas das línguas faladas e da contribuição grega, foi o latim literário do declínio do Império do Ocidente e a língua oficial das ciências na Idade Média. Ao lado deste surgiu um latim sem regra, também misturado com o léxico de outras línguas, empregado pelos tabeliães; foi o latim bárbaro que os cartórios documentaram em contratos, testamentos, doações e outros escritos de ordem jurídica.
Enquanto a língua literária assim se transformava, o sermo vulgaris, levado pelos soldados e pela plebe às mais longínquas regiões do Império Romano, também se modificava. Das alterações desse rude latim falado resultaram, mais ou menos a partir de 600 da Era Cristã, os romanços (ou romances) medievais e, posteriormente, as línguas românicas ou neolatinas.
Como se explica que o latim vulgar, que, até o terceiro século da Era Cristã, conservara suas características fundamentais, se tenha diferenciado tanto, nas diversas regiões, a ponto de se transformar, a partir do século IX, nas línguas neolatinas: francês, italiano, espanhol, romeno, rético, dalmático, sardo, galego e português?
Vários fatores concorreram para essa ebulição linguística, para a dialetação românica, para o aparecimento das línguas neolatinas: o tempo, a política de dominação dos romanos, a vastíssima extensão geográfica do Império e sua fragmentação política e, principalmente, a ação do substrato e do superestrato.
Como língua falada, o latim vulgar evidentemente se transformou com o tempo; entre uma conquista e outra muitas vezes decorriam séculos, e a língua imposta nas diversas regiões se apresentava, com certeza, distinta. Assim, o latim levado para a Península Ibérica, por exemplo, em 197 a.C mais ou menos, deve ter sido mais arcaico que o levado para a Dácia em 107 d.C.
Além disso, dos povos que o latim encontrou nas regiões conquistadas, alguns eram de raças e civilizações diferentes, cada qual com sua expressão idiomática, e, apesar de seu triunfo sobre essas línguas pré-românicas, o latim sofreu, sobretudo na fonética e no léxico, influências que representam vestígios das línguas anteriormente faladas nas regiões latinizadas. Ao conjunto dos falares diversos dos povos vencidos e conquistados, cuja língua se infiltrou na do povo vencedor, dá-se o nome de substrato linguístico. Eis alguns povos cuja língua representou o substrato linguístico do latim: lígures, ilírios, etruscos, vênetos (na Península Itálica); celtas (na Bretanha); iberos, gregos, fenícios, cartagineses, celtas e bascos (na Península Ibérica); cartagineses (ou púnicos) (no Norte da África).
Na Lusitânia pré-romana foram os celtas o elemento de maior valor linguístico para a estruturação do português.
Vestígios dos celtas no léxico temos, por exemplo, os substantivos comuns: cavalo (< caballus), carro (< carrus), bico (< beccus), berço (< bertium), camisa (< camisia), saio, saia (< sagum), cabana (< cappana), cerveja (< cerevisia), légua (< leuca), vassalo (< vassalus), manteiga (< mantica), caminho (< caminum), gato (< cattus), lança (< lancea); os topônimos da Lusitânia: Coimbra (< Conimbriga), Bragança (< Brigantium), Évora (< Ebora), Lisboa (< Lisbona).
Metaplasmos provocados por influência celta foram: a sonorização de p-t-c: lupu- > lobo, aqua- > água, datu- > dado; a apócope da vogal, principalmente a vogal e depois de l, n e r nos substantivos: male > mal, bene > bem, mare > mar, fenômeno muito frequente na Idade Média, do qual há numerosos exemplos nas poesias trovadorescas; a palatização de l (> lh) e n (> nh) que precediam i, e ou a em hiato: vinea > vinha, filia > filha e a assibilação das consoantes d e t na mesma posição: audio > ouço, gratia > graça, pigritia > preguiça, hodie > hoje, invidia > inveja etc.
Assim, da fusão entre romanos e povos conquistados foram, então, surgindo pouco a pouco novos dialetos, diferenciando-se no tempo e no espaço por força do substrato e, posteriormente, do superestrato.
No estudo das influências linguísticas sofridas pelo latim, no processo da dialetação, considera-se o substrato como o elemento mais importante, especialmente pelo processo de adaptação imperfeita da base física da fonação materna ao novo idioma a ser aprendido.
Os superestratos exercem influência menos significativa, limitando-se, na generalidade dos casos, ao vocabulário.
Como fator de diferenciação linguística, o superestrato está ligado ao desmembramento do Império Romano e é representado pela língua dos invasores germânicos e árabes.
Invasões sucessivas fragmentaram o território e provocaram a ebulição linguística que vai determinar, a partir do século IX, a formação de diversos romanços. No século V, o Império foi invadido pelos povos germânicos (bárbaros), tribos nômades que ocupavam o Norte, o Centro e algumas partes do Sudeste da Europa; a partir dos séculos VI e VII, pelos eslavos, e no século VIII pelos árabes.
A penetração germânica já havia se iniciado antes do século V, mas tratava-se de uma penetração pacífica. Ao passarem a fronteira, a administração romana lhes dava terras, e eles se estabeleciam como colonos, ou incorporavam-se aos exércitos romanos. Muitos altos oficiais romanos do último período do Império eram de origem germânica.
Os visigodos, por exemplo, que inicialmente haviam invadido a Itália várias vezes, na Espanha combateram, como soldados romanos, outros bárbaros. Na Grécia estabeleceram-se como “federados” e em 425 adquiriram independência. Ao serem expulsos pelos francos em 507, os visigodos retiraram-se para a Espanha onde se mesclaram inteiramente com a população romana.
O motivo principal da penetração agressiva dos bárbaros na Europa foi a pressão dos hunos, povos orientais, originários da Mongólia, que chegaram à Europa em 375, desencadeando a migração dos povos germânicos para o sul e para o oeste.
Assim, no século V, o Império do Ocidente, abalado pelas invasões dos bárbaros germânicos e já enfraquecido, desde o século III, por uma grave crise no seu sistema político, social e econômico, sucumbe catastroficamente.
As migrações mais importantes das tribos germânicas foram as dos vândalos, alanos, visigodos, burgundos, alamanos, francos, longobardos, normandos ou viquingues, suevos e saxões.
Alguns desses povos foram rapidamente aniquilados, como os alanos e os brugundos; outros, como os vândalos, os francos, os suevos e os visigodos, estabeleceram-se e formaram reinos romanizados; e outros ainda, como os alamanos, não se romanizaram, mas, ao contrário, germanizaram, na Suíça do Norte, a província da Récia, que antes da conquista romana era céltica.
Piratas germânicos da tribo dos saxões investiram contra as costas da Gália e da província da Bretanha, hoje Grã-Bretanha.
Os longobardos, acossados pelo povo mongol, entraram na Itália, então bizantina, em 568. Durante dois séculos, fortemente romanizados, dominaram grande parte da Itália e deixaram traços muito importantes na língua e na civilização italianas.
Os vândalos, na África do Norte, formaram o Reino dos Vândalos, com capital em Cartago,  e em 455 saquearam Roma.
Os francos, que constituíram o reino mais poderoso da Europa Ocidental, tornaram-se, a partir do século VI, senhores do país que lhes tomou o nome – a França, que os romanos chamavam de Gália.
Os suevos fixaram-se na Galiza e em parte da Lusitânia e fundaram um reino mais tarde absorvido pelos visigodos. Foi nesse território ocupado pelos suevos que se procedeu a gestação do romanço galego-português.
Os visigodos submeteram todo o território da atual Espanha e fundaram um reino duradouro, cuja capital era Toledo. Caldeados inteiramente com a população romana, seu reino hispano-gótico e cristão já alimentava algo parecido com sentimento nacional. Após dois séculos, em 711, esse reino foi destruído pelos árabes; todavia, do nacionalismo cultivado pelos exércitos hispano-visigóticos nas montanhas das Astúrias eclodiu o movimento da Reconquista.
Quando a violência das invasões germânicas foi aos poucos decrescendo, os bárbaros passaram a romanizar-se: adotaram a cultura dos povos vencidos que lhes era superior, cristianizaram-se e assimilaram o latim vulgar. Contribuíram, porém, para acelerar a evolução da língua. Assim, encontram-se, no vocabulário português, vários termos de origem germânica: guerra, trégua, roubar, bando, banda, bandeira, baluarte, escaramuça, dardo, brandir, galopar, arauto, feudo, orgulho, rico, branco, franco, tacanho. O vocabulário germânico inundou o latim vulgar da Gália; o número de empréstimos do germânico para o francês é considerável: maréchal, robe, écharpe, guichet, bord, banc, bacon, danser, sauter, harpe, jardin, groseille, Nord, Sud, Est, Ouest, blanc, bleu, récompense, orgueil, gagner etc.
Com a invasão dos árabes, no século VIII, acentua-se a influência do superestrato no processo de dialetação românica. Mais de duas mil palavras de origem árabe estão no léxico do português; dentre elas: alface, algodão, arroz, açúcar, laranja, azeitona, azeite, cenoura, espinafre, girafa, javali, jarra, almofada, alfanje, arroba, quintal, quilate, alqueire, alfaiate, alcaide.
Os árabes, povo de origem semítica, cuja religião, o Islamismo, agredia os princípios da religião cristã, penetraram na Europa, apoderando-se do reino visigótico. [...] Foi rápida a conquista muçulmana, mas penosa e apaixonada a Reconquista. Refugiados nas montanhas das Astúrias (Montes Cantabros), os restos dos exércitos hispano-visigóticos e os cristãos rebeldes à invasão muçulmana fundaram ali, no Noroeste do país, o Reino das Astúrias e iniciaram, sob o comando de Pelágio, o movimento de Reconquista. Era uma guerra militar, santa, abençoada pelos papas. Avançando para o Sul, foram recuperando os territórios perdidos; assim se formaram os reinos cristãos de Leão, Aragão, Navarra e Castela.
Sete séculos durou a dominação dos muçulmanos na Península Ibérica (711-1492); Granada, o último reduto da resistência moura, foi recuperada em 1492, no reinado dos reis católicos da Espanha, Fernando e Isabel.
Da interpenetração da língua árabe e da língua popular de estrutura românica resultou o moçárabe, falado pela população cristã que viveu sob o jugo islamítico.
Além de representar um elemento significativo do superestrato linguístico, a invasão dos árabes desencadeou o fato histórico da formação de Portugal como Estado monárquico.
Vários nobres de diversas regiões participaram das lutas para expulsão dos invasores. Pelo sucesso das armas de D. Raimundo e de seu primo D. Henrique, conde de Borgonha, no movimento da Reconquista, D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, deu em casamento, como prêmio, a D. Raimundo a filha legítima, Urraca, e a região da Galiza, e a D. Henrique a filha bastarda, Tareja, e um feudo, o Condado Portucalense, território desmembrado da Galiza, compreendido, a princípio, entre o Minho e o Douro e, a partir de 1095, entre o Minho e o Tejo.
Não só a língua desse território era a mesma da Galiza, com também foi imposto a D. Henrique administrar o Condado Portucalense sob a tutela de D. Raimundo, senhor da Galiza.
Com a morte de D. Henrique, a viúva assume o poder, mas seus amores com o conde de Trava, da Galiza, desencadearam o descontentamento do povo e de seu filho D. Afonso Henriques, que na Batalha de São Mamede (1128) tomou o poder e se fez proclamar rei. Em 1143, na Convenção de Zamora, Afonso VII, rei de Leão, lhe reconhece a realeza, solenemente ratificada em 1179 pelo papa Alexandre III.
Portugal tornou-se, assim, reino independente da Galiza. Ao mesmo tempo que se separava da Galiza, estendia-se para o Sul, anexando as regiões reconquistadas. D. Afonso Henriques e seus sucessores prosseguiram na luta contra os mouros, até que em 1250 D. Afonso III concluiu a conquista do Algarve, fixando, então, os limites de Portugal de hoje.
Delineado Portugal politicamente, a língua falada naquela faixa de terra continuou sendo o galego-português até o século XIV, quando fatores políticos, sociais e linguísticos determinaram a quebra da relativa unidade linguística galego-portuguesa [...].
A partir do século XIV, já com feição própria, distinta dos outros falares da região e com características que a distinguiam do galego, a língua portuguesa, levada pelas conquistas das epopeias marítimas a outras partes do mundo, continuou evoluindo, transformando-se sob a ação de inúmeros fatores e repetindo, através dos séculos, a sua história.
Assim é que, atravessando “mares nunca dantes navegados”, “penetraram tudo o que o Mar Oceano cerca e consigo levaram sua língua”. 

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