Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

THE HAND THAT SIGNED THE PAPER

The hand that signed the paper felled a city;   
Five sovereign fingers taxed the breath,   
Doubled the globe of dead and halved a country;   
These five kings did a king to death.

The mighty hand leads to a sloping shoulder,   
The finger joints are cramped with chalk;   
A goose’s quill has put an end to murder   
That put an end to talk.

The hand that signed the treaty bred a fever,   
And famine grew, and locusts came;
Great is the hand that holds dominion over   
Man by a scribbled name.

The five kings count the dead but do not soften   
The crusted wound nor stroke the brow;   
A hand rules pity as a hand rules heaven;   
Hands have no tears to flow.


A mão que assina o ato assassina a cidade.
Cinco dedos reais taxam o ar ― é a lei.
Cevam o morticínio e ceifam um país;
Os cinco reis que dão cabo de um rei.

A mão que manda mana de um ombro em declínio,
Cãibras deduram nós nos dedos que a cal cala.
Penas de ganso firmam o assassínio
Que pôs fim a uma fala.

A mão que assina o pacto traz a peste,
Praga e devastação, o gafanhoto e a fome;
Grande é a mão que pesa sobre o homem
Ao rabisco de um nome.

Os cinco reis contam os mortos mas não curam
A crosta da ferida e o rosto já sem cor.
A mão rege a clemência como a outra os céus.
Mãos não têm lágrimas a expor.

CAMPOS, Augusto de. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006, p.332-333.


A mão que assinou o papel derrubou uma cidade;
Cinco dedos soberanos tributaram a respiração,
Duplicaram a esfera dos mortos e reduziram um país à metade;
Esses cinco reis levaram um rei à morte.

A poderosa mão chega a um ombro arqueado,
As juntas dos dedos foram imobilizadas pelo gesso;
Uma pena de ganso pôs um fim ao crime
Que deu fim à troca de palavras.

A mão que assinou o tratado fez brotar a febre,
E cresceu a fome, e vieram os gafanhotos;
Grande é a mão que mantém o seu domínio
Sobre um homem por ele ter escrito um nome.

Os cinco reis contam os mortos, mas não aplacam
A ferida cicatrizada nem acariciam a fronte;
Há mãos que regem a piedade como outras o céu;
As mãos não têm lágrimas para derramar.

Dylan Thomas. Poemas reunidos. Trad. Ivan Junqueira. 2.ed. rev. Rio de Janeiro: José Olympio, p.105.

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