Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 10 de julho de 2011

a superfície das palavras

L deixou alguns barcos. Inútil pensar que foram os barcos que buscaram outros rumos. Num relance, na tarde ― tarde e noite são espaços privilegiados de irrupção do inesperado―, L manda uma mensagem aloprada de celular a quem pode ouvi-la. É ouvida. Fala coisas ininteligíveis, porque precisa. Fala em “fala roubada”, em coisas intensamente vividas, coisas que precisam encontrar ouvidos de gente. Corta para outra cena. L deixa desconcertado quem não esperava dar com ela tão de repente e não sabe o que fazer com o fato dela existir e estar simplesmente ali, parada, sozinha, diante da tarde, sem precisar de nada, sequer do olhar que lhe é dirigido. Recebe o desdém com a mesma expressão com que olha o nada. Sustenta o olhar. Seus olhos não dizem nada, e sabe que desconcerta. Vai continuar desconcertando. O que falava a mensagem? Falava ― ameaçava falar ― o que não quer calar. A conexão entre os fatos é a própria superfície com que eles se oferecem: o barco que deixou pareceu-lhe muito estreito para a largueza do que experimentou. Era o que tentava dizer a mensagem, em formulação compatível com o formato e a tarde. Está ecoando, às vezes grita, outras apenas sussurra. 

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