L deixou alguns barcos. Inútil pensar que foram os barcos que buscaram outros rumos. Num relance, na tarde ― tarde e noite são espaços privilegiados de irrupção do inesperado―, L manda uma mensagem aloprada de celular a quem pode ouvi-la. É ouvida. Fala coisas ininteligíveis, porque precisa. Fala em “fala roubada”, em coisas intensamente vividas, coisas que precisam encontrar ouvidos de gente. Corta para outra cena. L deixa desconcertado quem não esperava dar com ela tão de repente e não sabe o que fazer com o fato dela existir e estar simplesmente ali, parada, sozinha, diante da tarde, sem precisar de nada, sequer do olhar que lhe é dirigido. Recebe o desdém com a mesma expressão com que olha o nada. Sustenta o olhar. Seus olhos não dizem nada, e sabe que desconcerta. Vai continuar desconcertando. O que falava a mensagem? Falava ― ameaçava falar ― o que não quer calar. A conexão entre os fatos é a própria superfície com que eles se oferecem: o barco que deixou pareceu-lhe muito estreito para a largueza do que experimentou. Era o que tentava dizer a mensagem, em formulação compatível com o formato e a tarde. Está ecoando, às vezes grita, outras apenas sussurra.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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