Esta semana tive um sonho visguento ― noite mal dormida, e uma espécie de torpor que deixava o corpo à mercê de indefinições. No informe de tudo, eu fazia uma péssima escolha. Porque manter a disponibilidade para o risco é difícil, e o medo produz covardias, rendições. Eu me rendia ao que jamais poderia admitir, naquilo que tenho de coragem, e isso me jogava numa negação que não era interrogação, mas vazio, nulidade, frustração. A formulação de Torquato, em “Pessoal Intransferível”, continua gritando, fazendo bovinos seres inertes acordar diante do perigo: “E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi.” Esta tarde, ao dormir aquele sono metade sono das tardes, uma parte de mim parecia querer ir, sufocar, enquanto a outra resistia e mandava voltar. E se não parasse para escrever isso o soño da tarde estaria perdido.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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