A vida não cabe na linguagem. A vida, pressentida na inocência, era só silêncio e voragem. Todo o enigma de uma vida desdobrando-se em camadas sutis que sabem mais ao silêncio, e que ainda assim conhece a urgência da linguagem. Se os físicos foram buscar em Joyce o contorno para um dos abismos da matéria ― os quarks ― é porque abismar-se na matéria é fazer o mesmo na linguagem: a complexidade da matéria pede a complexidade que a linguagem logrou alcançar. Há rumores sobre a matéria estranha, diferente da usual, e que poderia absorver e transformar completamente esta ― como se fosse uma dimensão que não comportasse o mundo que, bem ou mal, o homem esforçou-se por esquadrinhar e lotear, embora cada tarde possa trazer a suspeita de que o homem não se habituou a existir. Mas agora há a matéria estranha. A matéria estranha não cabe no pensamento, não cabe em nada: ela é o grande nada, o fim de toda ilusão, o fim da beleza a que se deu o nome de poesia.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
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