Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 29 de janeiro de 2011

João Cabral de Melo Neto

Infância

Sobre o lado ímpar da memória
o anjo da guarda esqueceu
perguntas que não se respondem.

Seriam hélices
aviões locomotivas
timidamente precocidade
balões-cativos si-bemol?

Mas meus dez anos indiferentes
rodaram mais uma vez
nos mesmos intermináveis carrosséis.

MELO NETO, João Cabral. Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p.6-7.

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