Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 29 de janeiro de 2011

Mário Faustino

PRELÚDIO

He was a poet, sure a love too…
Keats, “I Stood Tiptoe”

O que eu sou, quero dizer a mim mesmo
para que venha a sabê-lo pouco a pouco.
Sejam minhas palavras não um canto
impossível agora mas retrato
que socorra e console enquanto espero
e receba o que não posso mais conter.
Pudesse eu celebrá-las, as rosas e as estrelas
cantar a noite o silêncio a morte a música...
porém, porque não amo, o mundo me repele
e vivo aprisionado atrás das pálpebras
à espera condenado, à angústia, ao sono, ao tédio.
Talvez a infância, que é minha... mas nem isso,
que toda coisa ou ser, até lembrança
só se deixa cantar quando se sabe amada. Se não amo,
só me resta esperar, navegando em meu sangue.
Agora, não vos direi paisagens, porém sonhos
jamais saudades, mas desejo e esperança
e da beleza só pressentimento. E falarei da amada
hoje miragem, mas amanhã visita
que trará tudo e encontrará somente
amor e enfim um canto ― de alegria.

FAUSTINO, Mário. O homem e sua hora e outros poemas. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009, p.199.

Nenhum comentário:

Postar um comentário