Outra maneira de tentar explicar: Quando é isso, já não estou olhando para o mundo, de mim para o outro, mas por um segundo sou o mundo, o plano de fora, o demais me olhando. Vejo como os outros podem me ver. É inapreciável: por isso dura pouco. Meço a minha defectividade, apreendo tudo o que, por ausência ou defeito, nunca posso ser. Vejo o que não sou. Por exemplo (isto veio de uma outra coisa, mas sai por aqui): existem enormes zonas às quais nunca cheguei e o que não se conheceu é o que não se é. Ansiedade para começar a correr, entrar em casa, naquela loja, saltar de um trem em movimento, devorar todo Jouhandeau, saber alemão, conhecer Aurangabad... Exemplos localizados e lamentáveis, mas que podem dar uma ideia (uma ideia?).
Outra maneira é tentar dizê-lo: O defectivo se sente mais como uma pobreza intuitiva do que como uma mera falta de experiência. Na verdade, não me aflijo muito por não ter lido toda a obra de Jouhandeau, sinto no máximo a melancolia de uma vida demasiado curta para tantas bibliotecas etc. A falta de experiência é inevitável, quando leio Joyce estou sacrificando automaticamente outro livro e vice-versa etc. A sensação de falta é mais aguda em
É um pouco assim: há linhas de ar em volta da sua cabeça, do seu olhar,
zonas de detenção dos seus olhos, do seu olfato, do seu paladar,
ou seja, você anda com o seu limite por fora
e você não poderá ultrapassar esse limite quando pensar que apreendeu plenamente qualquer coisa, a coisa que é igual a um iceberg, tem um pedacinho por fora e o mostra, com todo o resto do seu volume bem para lá de seu limite e foi assim que o Titanic afundou. Heste Oliveira sempre com seus hexemplos.
CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. 15 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p.466-467.
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