Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 19 de junho de 2011

Paulo Mendes Campos: quadros da insônia

A minha insônia é um vasto mural no tempo, composto de quadros díspares e desordenados, cuja unidade em todo o cosmos é um fiozinho mínimo e invisível dentro da Noite: eu. Quando esse eu desaparecer, os quadros terão desaparecido para sempre do Universo, e isso não será um acontecimento positivo ou negativo; porque não terá a menor importância. 

CAMPOS, Paulo Mendes. Cisne de feltro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.67.

O meu soño é um vasto
adentrar no cosmos,
quando surgem
quadros díspares
e caóticos, 
quadros em que
o que em mim
atende por eu
se reconhece,
tenuamente,
na grande 
Noite cósmica.

Um fiozinho,
mínimo,
invisível,
insignificante.

Ao amanhecer,
quase tudo
desapareceu,
e o eu de novo
se adensa
na ilusão do eu,
que um dia,
como na Noite
de que voltou, 
irá para todo
o sempre
desaparecer,
deixando, talvez,
vestígios que
a ilusão do dia,
outrora,
à Noite
outorgou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário