Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 22 de junho de 2011

mar de mariana

"... há sempre um copo de mar / para um homem navegar" (Jorge de Lima). Este verso, como se sabe, deu título à 29ª Bienal de São Paulo, que visitei numa pequena sucursal em Belo Horizonte. Da bienal cheguei ao poema:  

[Canto Primeiro, Fundação da Ilha, II]

A ilha ninguém achou
porque todos a sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.

Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.

Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Nem achada e nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.

Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.

Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.

Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoleas.
E esse veleiro sem velas!

Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?

LIMA, Jorge de. Invenção de Orfeu. São Paulo: Ediouro, s/d, p.15. 

Tanto cabe neste copo de mar, neste poema. O melhor de um poema é os seus silêncios, aquilo que fala somente nele, por ele, deixando atônito o leitor, que volta e relê, e lê de novo, e lê mais uma vez, e nesse mar, tanto mar. Mas há também uma ilha, que não há. Uma ilha que não há, porque qualquer geografia é uma ilusão de pouco ter experimentado o mar.

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