"... há sempre um copo de mar / para um homem navegar" (Jorge de Lima). Este verso, como se sabe, deu título à 29ª Bienal de São Paulo, que visitei numa pequena sucursal em Belo Horizonte. Da bienal cheguei ao poema:
[Canto Primeiro, Fundação da Ilha, II]
A ilha ninguém achou
porque todos a sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoleas.
E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?
LIMA, Jorge de. Invenção de Orfeu. São Paulo: Ediouro, s/d, p.15.
Tanto cabe neste copo de mar, neste poema. O melhor de um poema é os seus silêncios, aquilo que fala somente nele, por ele, deixando atônito o leitor, que volta e relê, e lê de novo, e lê mais uma vez, e nesse mar, tanto mar. Mas há também uma ilha, que não há. Uma ilha que não há, porque qualquer geografia é uma ilusão de pouco ter experimentado o mar.
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