“Mas o senhor é homem sobrevindo, sensato, fiel como papel, o senhor me ouve, pensa e repensa, e rediz, então me ajuda. Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas ― e só essas poucas veredas, veredazinhas. O que muito lhe agradeço é a sua fineza de atenção.”
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 116.
É de notar a intenção malograda de diálogo na fala sequestrada pelo narrador: a função do interlocutor nesta escuta é bastante duvidosa, antes confirmar o que a personagem deseja ouvir de si ― fiel como papel, o senhor me ouve, pensa e repensa, e rediz, então me ajuda. A palavra, aí, é uma posse não compartilhada, ao contrário do que se diz sobre a língua, como transitividade. A palavra cria sua própria não transitividade, e polidamente agradece o silêncio do outro, o grande sertão (desertão) da linguagem. A única brecha por onde se respira aí são as incertezas do narrador: nelas ele se afirma ou nega, se interroga, afirmando que o que ele quer falar lhe escapa, ninguém sabe, só umas raríssimas pessoas. Então todos não se entendem no deserto da linguagem, no não saber baldado em certezas. Há poucas veredas, veredazinhas, por onde transitar.
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