Tenho vivido coisas difíceis, angústias na largueza que a palavra angústia comporta ― ando angustiada demais, meu amigo ―, diz a personagem feminina do conto "Os sobreviventes" ― palavrinha antiga essa, a velha angst. Tudo que cabe nesta palavra, que torna o caminhar mais difícil. Não sei em que crônica de Clarice ela falava que corria riscos, como todo mundo. Não, era correr perigo, numa formulação lapidar: “Corro perigo como toda pessoa que vive.” A adjetiva restritiva que vive não deixa dúvida quanto ao estreitíssimo vínculo entre a vida e o perigo. Se for assim, nunca vivi tanto. E por essa intensidade a palavra perigo se converte em risco. Custou muito chegar até aqui. Num dos trechos do percurso, um professor falou-nos sobre o conto “Os sobreviventes”, e jogou luz sobre o mofo. A hora da estrela termina enigmaticamente: “Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.” Os morangos estão mofados.
Caio Fernando Abreu. Morangos mofados. 9.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.19.
Clarice Lispector. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p.56.
Clarice Lispector. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p.87.
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