Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 22 de junho de 2011

livros: traços e tropeços deixados na memória

Recebo de Portugal, via Desertações, proposta de debate interessante. Senti-me instigada a repassar minha memória afetiva, os livros que em minha vida entraram. Aí vai.

1. Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?

Todos os livros de poesia que me acompanham ― além de Grande sertão: veredas A descoberta do mundo. De forma avulsa, há livros a que sempre estou retornando, em busca de uma narrativa, um parágrafo, uma iluminação. Por outro lado, há livros a que, não obstante fundamentais, não voltarei, simplesmente porque me feriram muito, ou então porque quero ler outros. No primeiro caso encontra-se A metamorfose, de Kafka, e no segundo Madame Bovary.

2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?

Sim. O vermelho e o negro. Jamais consegui levar a leitura adiante ― achei o livro chato. E o Ulisses eu quase dei conta, mas parei na madrugada, no monólogo da Molly.

3. Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?

Esta pergunta é muito ingrata. Seria, certamente, algum livro de poesia. Mas há um livro que vou ler para o resto de minha vida, porque me foi fundamental: A carta ao pai, de Kafka. Posso nunca mais abrir um exemplar deste livro e mesmo assim continuarei lendo-o, de tal forma ele se entranhou em mim. 

4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?

Esta é a pergunta do pecado, do crime literário inafiançável. Então vou por outra via: todos os livros que desejei ler eu li, e isso me basta. Tenho dívidas literárias, que vou quitando conforme a disposição de ler o permita.

5. Que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?

Morte em Veneza, talvez por influência da versão cinematográfica (merece mesmo o link do youtube). Mas os finais de Guimarães Rosa, em especial aqueles de Primeiras estórias em diante, costumam me ser caros. E o final de O processo crava-se como uma lança na memória de quem lê.

6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?

Para esta resposta vou recorrer a Caetano Veloso, a música "Livros": quase não tínhamos livros em casa e a cidade não tinha livraria. Quando criança, lembro-me de ter ficado louca por um estojo que um vendedor passou lá em casa vendendo, cheio de coisinhas bonitas e tal, com um livro, Deus negro… Meu pai não comprou.

7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Por quê?

Em geral, quando acho um livro chato, a valer, abandono a leitura, mesmo sabendo que o livro é bom, obrigatório, imperdível e tal. Fiz certo esforço para ler A maçã no escuro, e gostei de O desconhecido e Mãos vazias, de Lúcio Cardoso.

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.

Meus livros preferidos são escolhas afetivas, que dizem respeito a um percurso muito próprio: não valem como indicação. Há, entretanto, os imprescindíveis, como quis Bertold Brecht, mas não consigo fechá-los numa lista.

9. Que livro estás a ler neste momento?

O jogo da amarelinha (pelo menos tentando) e Cisne de feltro (Paulo Mendes Campos). E tudo o que eu tenho em casa de poesia, de maneira assistemática.

10. Indica dez amigos para o meme literário:

Só há uma pessoa, no momento, que me apraz indicar, o Luiz Carlos Lopes (Caderno de Caligrafia), porque tenho certa curiosidade em relação ao modo como ele responderia a essas perguntas, leitor privilegiado que é. E ele bem falou sobre isso em seu último post, sobre seus livros...

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