Esta é a melhor época do ano ― seu finzinho. Passou o
frisson do Natal, aquela expectativa midiática toda em torno de uma ceia que
poderia descambar em barracos natalinos. Sobreviveu-se aos próprios barracos, com
um arranhão ou outro, que um bom vinho e o analista vão resolver. São cinco
dias sagrados, entre 26 e 30 de dezembro, em que ainda se está em 2015 e ainda
não é 2016. Uma adorável suspensão de (quase) tudo, que permite ao ser
palmilhar a superfície das coisas, sem penetrá-las ou ser muito afetado por
elas. Um mar caribenho em que não se vislumbra qualquer pontinha de iceberg
desmancha-prazeres, porque o clima está ameno, agradável, está um clima
metafórico. No dia 31 começará a contagem regressiva para o novo ano, o Ano
Novo, e será dada a largada a uma nova maratona de sabe-se lá o que. Angústias,
incertezas, previsões e notícias ruins, ataques, mortes violentas, a crise
nossa de cada dia ― enfim, todo o rosário da desgraça humana a que Brás Cubas assistiu
em seu célebre delírio. Mas, por enquanto, nesses breves cinco dias, vive-se o
nirvana do tempo, um parêntese generoso nas (e das) solicitações, demandas e
necessidades.
Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Carlos Drummond de Andrade
POEMA DA
NECESSIDADE
É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.
É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.
É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.
É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.
É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.
ANDRADE, Carlos Drummond
de. Reunião. 10 livros de poesia. 2.ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p.47.
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
S Í N T E S E
O antigo endereço de minha ex-analista (fiasco total)
agora é uma loja de lingerie chamada Intimity.
Da última vez que passei pelo local, estava em promoção a grife Hope.
domingo, 20 de dezembro de 2015
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
João Cabral de Melo Neto
DUPLICIDADE DO
TEMPO
O níquel, o alumínio, o estanho,
e outros assépticos elementos,
ao fim se corrompem: o tempo
injeta em cada um seu veneno.
A merda, o lixo, o corpo podre,
os humores, vivos dejetos,
não se corrompem mais: o tempo
seca-os ao fim, com mil cautérios.
MELO
NETO, João Cabral. Museu de tudo. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2009, p.105.
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
estatísticas
70% vê o governo Dilma como ruim ou péssimo. 80% dos brasileiros quer a queda de Eduardo Cunha. 99,9% da população está
lotando shoppings e centros de consumo popular para as compras de Natal. De 75 a
80% das mulheres adotou o animal print
como elemento do vestuário. 99% dos brasileiros está triste, chateado ou infeliz
com o país, a falta de dinheiro, o desemprego, a inflação, os rumos da economia.
100% dos usuários de ônibus, trens e metrô no Rio de Janeiro mostram expressão
taciturna. O ceticismo e a indiferença são generalizados. O calor,
insuportável.
aniversários
Aniversários costumam ser uma coisa aborrecida, pelo
simples fato da obrigação que os acompanha. Passo o ano recebendo notificações,
lembretes e convites de aniversários, do circulo familiar às amizades. “Liga
pra fulana, é aniversário dela”. “Hoje é aniversário de sicrano”. “Parabéns,
que Deus lhe dê alegrias e muitos anos de vida”. É isso ou condenar-se ao ostracismo social. Há, no entanto, outras maneiras de
amar as pessoas e os amigos. Como disse um compositor, eu acho tudo isso um saco. Mas a cereja do bolo vem em dezembro, quando o aniversariante-mor
mobiliza pessoas ao redor do mundo e de uma árvore, para celebrar... o que
mesmo? Acho que ninguém mais sabe.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
domingo, 29 de novembro de 2015
Manuel Bandeira
CANTIGA
Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d’alva
Rainha do mar.
Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.
Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d’alva
Rainha do mar.
Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1993, p.152.
sábado, 28 de novembro de 2015
luzes
Foram vários reajustes ― para cima ― no valor cobrado
pela energia elétrica ao longo do ano, consumando ao todo uma incidência de 50% na tarifa, fora as bandeiras tarifárias. Ainda assim, começam a se acender as
luzes de Natal nos lares, lojas, edifícios. As pessoas estão mesmo dispostas a
pagar a conta.
sexta-feira, 20 de novembro de 2015
para cada tecnocrata são precisos dez poetas
“Eu gostaria de poder dizer que a literatura é
inútil, mas não é, num mundo em que pululam cada vez mais técnicos. Para cada
Central Nuclear é preciso uma porção de poetas
e artistas, do contrário estamos fudidos antes mesmo da bomba explodir.”
Rubem
Fonseca, Intestino grosso. ___. Feliz ano novo. 2.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989, p.173.
terça-feira, 17 de novembro de 2015
Paulo Leminski
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
Paulo
Leminski. Toda poesia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013, p.84.
sábado, 7 de novembro de 2015
um pais sem alma
“Há sempre um copo de mar / para um homem navegar” ―
disse o poeta. Por que nós, achados por outro navegantes, nos esquecemos tão
depressa do mar? Estamos afundando na lama, mais real que nossas piores alucinações coletivas. Enquanto isso, o nobre deputado vai na televisão dizer que nada é o que parece ser. Meu Deus! Até quando suportaremos?
"theres too much confusion" (no país cujos fora-da-lei dão entrevistas-farsa para o principal canal de televisão)
infelizmente aqui a política parece inseparável da corrupção
terça-feira, 3 de novembro de 2015
o ciclo da natureza
Ontem foi dia dos mortos. Saí para a caminhada
habitual, a recomendada pelos médicos, de fim de tarde. A chuva (também) habitual da
data começou enfim a cair, no momento em que saía. Sendo pouca, prossegui. Mas
logo engrossou, assumiu ares de chuva de finados. Não recuei. Ao contrário,
deixei que a chuva me lavasse e quem sabe levasse um pouco da ansiedade, da
respiração opressa. Já quando retornava, quase chegando em casa, me dei conta
de que aquela mesma chuva estará um dia encharcando o chão onde estarei enterrada.
E senti um enorme sufoco, uma falta de ar, e desejei viver, continuar vivendo,
simplesmente, por muito tempo, enquanto a mim isso for concedido.
Ah!
Procurei
uma palavra sob que me proteger. Pensei na palavra paz. Mas logo percebi o
engodo. A palavra paz não protege, não guarda ninguém. Ela é pequena demais
para isso, escudo impróprio, e tem no centro um enorme a, vogal aberta, vazada, que a tudo dá passagem.
domingo, 1 de novembro de 2015
terça-feira, 27 de outubro de 2015
domingo, 25 de outubro de 2015
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
domingo, 11 de outubro de 2015
"a madame gasta muito": as espúrias relações entre Eduardo Cunha e PC Farias (ou ainda: o submundo dos políticos brasileiros)
VOZES DA MORALIDADE
Jânio de Freitas, Folha,
11/10/2015
A situação pessoal
embaraçosa, com o presumido risco de perder milhões de dólares resguardados no
exterior para não os perder, deve ter mexido com a frieza de Eduardo Cunha. Mas
Eduardo Cunha exagera, supondo-se "execrado". Muito ao contrário. Eduardo
Cunha não está sozinho, não foi abandonado por causa de acusações. E tanto
conta com fraternidades espontâneas, como dispõe de armas para produzir
interessados em não o incomodar. Ou só fazê-lo em último desespero de causa.
A verdadeira
atitude do PSDB, até ontem (10), de benevolência quando as provas contra
Eduardo Cunha já levam a pedidos de sua cassação, provém de duas vertentes. Os
taradinhos do impeachment preservam o presidente da Câmara porque esperam dele
que instale a ação para a derrubada de Dilma e não têm pudor de dizê-lo. Aécio
Neves não foi sugerir a Eduardo Cunha que se licenciasse coisa nenhuma, se nem
disfarçou o desejo de que seja poupado para encaminhar o processo. O
"aquilo" em que esses taradinhos só pensam não é aquilo, é o
impeachment.
A outra
vertente de proteção peessedebista a Eduardo Cunha veio dos mais velhos que
ainda influem no partido. São remanescentes do governo Fernando Henrique. Ou
seja, do escândalo das privatizações causado por grampos telefônicos que
levaram à saída forçada de ministros e de outros do governo, comprometidos com
fraudulências surpreendidas pelas gravações.
Confrontado
de repente com uma pergunta sobre a origem das fitas, o general Alberto
Cardoso, da Casa Militar, disse que foram encontradas sob um viaduto em
Brasília. A verdade era outra. A maior parte dos procedimentos para as
privatizações transcorreu no Rio, sede das empresas e do BNDES, além das
extensões de ministérios também envolvidos, como Indústria e Fazenda. Tudo se
passava, portanto, nos domínios territoriais e operacionais de Eduardo Cunha,
presidente da Telerj, a telefônica estatal do Rio, no governo Collor e até a
posse de Itamar Franco.
Logo, nada
de extraordinário que, pelas investigações ou por dedução, o circuito fechado
do governo Fernando Henrique desse as gravações como obra de Eduardo Cunha, que
em anos recentes já fora dado como responsável por grampos em série. No seu
"diário" de presidente, Fernando Henrique refere-se a Eduardo Cunha
deste modo, transcrito da revista "Piauí" pela Folha: "O
Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo do Itamar
porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor". Esse
"nós" é invenção da vaidade. Fernando Henrique estava indo para
Relações Exteriores e nada teve com a exoneração rápida de Eduardo Cunha,
decidida e feita por Itamar. Sem sequer considerar trapalhadas, mas, como
muitas outras demissões, por ser ligado a PC Farias.
Gravações
clandestinas não começam no exato momento comprometedor da conversa. Quem as
instalou pode fazer coleções de conversas, personagens e assuntos. E quem sabe
que gravações podem trazer-lhe complicações, diretas ou indiretas, não ousa
contra o possível colecionador. A não ser quando o veja batido, esvaído,
inerte. Como muitos têm esperado ver Eduardo Cunha, para lembrar-se de que são
grandes defensores da moralidade. Privada e pública.
Mas não só
de grampeamentos se fazem coleções biográficas. Como ex-presidente da Telerj,
Eduardo Cunha sabe – e ninguém duvide de que também comprove – que a estatal
dava dinheiro a políticos. Quantias fixas. Mês a mês. Por nada.
E Eduardo
Cunha não só investigou. Também pagou. Se vai cobrar, ainda não se sabe.
sábado, 10 de outubro de 2015
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
terça-feira, 29 de setembro de 2015
José Paulo Paes
canção de exílio facilitada
lá?
ah!
sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...
cá?
bah!
PAES, José Paulo. Meia palavra [1973]. ___. Poesia completa: São
Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.194.
sábado, 26 de setembro de 2015
Paulo Henriques Britto
SONETILHO DE VERÃO
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A ideia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
Paulo Henriques Britto. Trovar claro.
2.ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p.81.
sexta-feira, 25 de setembro de 2015
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
metro quadrado
Há um lugar marcado para o fim.
Dor, sofrimento
solidão, angústia
beleza — efêmera.
Tudo tem seu termo na terra.
Mas a dor continua nos que
sobrevivem.
sábado, 12 de setembro de 2015
terça-feira, 8 de setembro de 2015
Orides Fontela
PORTA
O estranho
bate:
na amplitude
interior
não há resposta.
É o estranho (o
irmão) que bate
mas nunca haverá
resposta:
muito além é o país
do acolhimento.
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify:
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.347.
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
Por quem rosna o Brasil - Eliane Brum
“Este é também o país em que aqueles que bradam contra a
corrupção dos escalões mais altos cometem cotidianamente seus pequenos atos de
corrupção sempre que têm oportunidade. A ideia de que o Congresso
democraticamente eleito, formado por um número considerável de oportunistas e
corruptos, não corresponde ao conjunto da população brasileira é talvez a maior
de todas as ilusões. É duro admitir, mas Eduardo Cunha é
nosso.”
sábado, 22 de agosto de 2015
Cecília Meireles: "De que alma é que vai ser feita / essa humanidade nova?"
Ambição gera
injustiça.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.
Injustiça, covardia.
Dos heróis martirizados
nunca se esquece a agonia.
Por horror ao sofrimento,
ao valor se renuncia.
E,
à sombra de exemplos graves,
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonho, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
nascem gerações opressas.
Quem se mata em sonho, esforço,
mistérios, vigílias, pressas?
Quem confia nos amigos?
Quem acredita em promessas?
Que tempos medonhos
chegam,
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?
depois de tão dura prova?
Quem vai saber, no futuro
o que se aprova ou reprova?
De que alma é que vai ser feita
essa humanidade nova?
Cecília Meireles. Romanceiro da Inconfidência. 9.ed. São
Paulo: Global, 2012, p.164. Trecho do “Romance
LIX ou Da reflexão dos justos”.
"A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido." (Sérgio Buarque de Holanda, 1936)
“Mas no caso de um eventual impeachment, também haverá quem vai prestar mais
atenção ao fato de que, dos quatro presidentes que o Brasil teve após a retomada da democracia, dois não terminaram seus mandatos.”
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
Orides Fontela
ADVENTO
Deste
templo múltiplo
o que nascerá?
Da onda
rítmica
amplitude
da intensidade
amorfa
ritmicamente esfacelada
do múltiplo que um
mais que tempo virá
e que luz haverá além
do tempo?
o que nascerá?
Da onda
rítmica
amplitude
da intensidade
amorfa
ritmicamente esfacelada
do múltiplo que um
mais que tempo virá
e que luz haverá além
do tempo?
FONTELA,
Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio de Janeiro: 7
Letras, 2006, p.66.
quem o colocou lá?
De mais de um interlocutor, ouvi que Cunha é um mal
necessário. Ai de nós, a precisarmos de males dessa envergadura.
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
antes tarde
“A queda de Cunha era questão de tempo.
Figuras como ele são eficientes para agir nas sombras, não na linha de frente.
Ainda mais com a megalomania que sempre o acompanhou, acima de qualquer limite
de prudência. Em ambiente democrático, não há espaço para os superpoderosos.
Tanto assim, que um dos truques
históricos da mídia, quando quer marcar um inimigo, é superestimar seus poderes.
O sujeito entra na marca de tiro, torna-se alvo não só de jornais como de
outros poderes.”
domingo, 16 de agosto de 2015
sábado, 15 de agosto de 2015
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
esquecimento (paulo leminski)
um dia sobre nós também
vai
cair o esquecimento
como a chuva no telhado
e
sermos esquecidos
será quase a felicidade
Paulo
Leminski. Toda poesia. São Paulo: Companhia
das Letras, 2013, p.292.
terça-feira, 11 de agosto de 2015
sábado, 8 de agosto de 2015
política e corrupção (existe diferença entre as duas no Brasil?)
“Quando
temos um câncer na presidência da Câmara, que não tem nenhuma responsabilidade
com o orçamento e a recuperação do país, nós temos o fim da política.” José Arthur Gianotti (aqui)
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
narrativa da crise
Os principais veículos de comunicação do país parecem
de acordo no objetivo de criar um clima de incerteza, alarmismo e pânico. Nunca
eu entendi tanto como agora os meandros (sujos) do poder no Brasil. E esse
entendimento faz mal, atordoa, entristece, deprime. Mais grave que os políticos e seus interesses
sórdidos é o modo como os caciques e os blocos partidários estão disputando
entre si o poder de deter e conduzir a narrativa da crise, espetacularizando a
própria atuação. Estão atirando no pé — da democracia.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
...que seria do amarelo?
Sou essencialmente melancólica — a vida me parece
quase sempre um circo trágico. Ao mesmo tempo, coexistindo com isso, tenho um senso
de humor constante, que me faz rir do que em princípio poderia parecer sem
graça. Exemplo? Certas passagens de Machado de Assis, como esta, de “O
alienista”: “Verdade é que, se todos os gostos fossem iguais, o que seria do
amarelo?” Machado está falando de uma coisa séria, e de repente introduz uma
comparação que quebra a seriedade do tema e confirma a falta de sentido da
ciência do alienista, comparação que é, também, muito próxima do senso comum. Deve
ser isso que faz rir, produz a comicidade. E também imaginar o próprio Machado
escrevendo isso, pilheriando com o leitor.
quarta à noite
Na quarta, bar ótimo, cerveja boa e amigos dando show
de interpretação de “Heart of Gold”. Nem tudo é notícia ruim — e o bar fica
perto de casa.
terça-feira, 28 de julho de 2015
oitavo andar
Moro no oitavo andar, como diz a música. Na verdade,
contando o play e os dois pisos de garagem, moro no 11º. Trata-se de imóvel
alugado, cujo contrato, recentemente renovado, encerra-se em 2017. Como o condomínio
do prédio deixa muito a desejar, impõe-se, quando o contrato encerrar, procurar
outro imóvel, maior de preferência. Também alugado. E de novo em andar alto. A maré econômica não está dando trégua, e torna-se remota a hipótese de financiar
um imóvel — as condições (entrada e juros) pegaram o elevador da crise, resposta para quase tudo que está
ruim no país. Aos bancos e aos graúdos que estão no comando da economia do país não
interessa que o brasileiro comum tenha condições facilitadas, humanas, de adquirir
um imóvel. Então se aluga um. De mais a mais, a que (ou a quem) ainda serve o
sonho da casa própria? Que mito se esconde aí? Talvez o de poder bater um prego
na parede sem ter que explicá-lo (depois). Ao diabo todos os proprietários de
imóvel, que impõem, mediante o disfarce da lei, condições azedas a quem
simplesmente quer morar em paz, pagando em dia por isso. Ao diabo.
sábado, 25 de julho de 2015
domingo, 12 de julho de 2015
fármacos
Uns tomam remédio para pressão, outros para depressão.
Felizmente ainda não preciso tomar os dois. Mas essa noite, quanto sonho ruim!
sábado, 11 de julho de 2015
sexta-feira, 10 de julho de 2015
terça-feira, 7 de julho de 2015
sábado, 13 de junho de 2015
quinta-feira, 4 de junho de 2015
sábado, 16 de maio de 2015
Cecília Meireles
CANÇÃO DE ALTA NOITE
Alta noite, lua quieta,
muros finos, praia rasa.
Andar, andar, que um poeta
não precisa de casa.
Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.
Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.
não necessita de sono.
Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
na noite, também perdida.
Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.
Andar... — enquanto consente
Deus que seja a noite andada.
Porque o poeta, indiferente,
anda por andar — somente.
Não necessita de nada.
Deus que seja a noite andada.
Porque o poeta, indiferente,
anda por andar — somente.
Não necessita de nada.
MEIRELES, Cecília. Antologia
Poética. São Paulo: Global, 2013, p.42.
terça-feira, 5 de maio de 2015
sexta-feira, 1 de maio de 2015
vinho
A vida tem qualquer coisa de cansaço, repetição,
monotonia. O jeito é beber vinho, não muito vulgar.
insignificância
"Agora,
a insignificância me aparece sob um ponto de vista totalmente diferente de
então, sob uma luz mais forte, mais reveladora. A insignificância, meu amigo, é
a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está
presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas,
nas piores desgraças. Isso exige muitas vezes coragem para reconhecê-la em
condições tão dramáticas e para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de
reconhecê-la, é preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la.
Aqui, neste parque, diante de nós, olhe, meu amigo, ela está presente com toda
a evidência, com toda a sua inocência, com toda a sua beleza. Sim, sua beleza.
Como você mesmo disse: a animação perfeita...e completamente inútil, as
crianças rindo...sem saber por quê, não é lindo? Respire, D'ardelo, meu amigo,
respire essa insignificância que nos cerca, ela é a chave da sabedoria, ela é a
chave do bom humor..." (Kundera in A festa da insignificância)
quarta-feira, 22 de abril de 2015
domingo, 19 de abril de 2015
terça-feira, 14 de abril de 2015
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Julio Cortázar
DISCURSO DO URSO
Eu sou o urso dos
canos da casa, subo pelos canos nas horas de silêncio, pelos tubos de água
quente, do aquecimento, do ar condicionado, vou pelos tubos de apartamento em
apartamento, sou o urso que vai por todos os canos.
Acho que gostam de
mim porque meu pelo conserva os condutos limpos, corro incessantemente pelos tubos
e do que eu mais gosto é passar de andar em andar escorregando pelos canos. Às
vezes puxo uma pata pela bica e a moça do terceiro andar berra que se queimou,
ou grunho na altura do forro do segundo andar e a cozinheira Guillermina se
queixa de que o gás anda ruim. De noite ando calado e é quando ando mais
depressa, apareço no teto pela chaminé para ver se a lua está dançando lá em
cima, e me deixo escorregar como o vento até as caldeiras do porão. E no verão
nado à noite na cisterna salpicada de estrelas, lavo o rosto primeiro com uma
mão, depois com as duas juntas, e isso me produz uma alegria muito grande.
Então escorrego por
todos os canos da casa, grunhindo contente e os casais se agitam em seus leitos
e reclamam contra a instalação dos encanamentos. Alguns acendem a luz e
escrevem num papelzinho para lembrar-se de reclamar quando virem o porteiro. Eu
procuro a bica que sempre fica aberta em algum andar, por ali meto o nariz e
espio a escuridão dos quartos onde moram esses seres que não podem andar pelos
canos, e fico com pena de vê-los tão desajeitados e grandes, de escutar como
roncam e sonham em voz alta e estão tão sós. Quando eles lavam o rosto de
manhã, eu lhes acaricio as faces, lambo-lhes o nariz e vou-me embora, vagamente
convencido de ter feito um bem.
CORTÁZAR,
Julio. Histórias de cronópios e de famas.
Trad. Gloria Rodríguez. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009,
p. 81-82.
monotonia
O principal canal de notícias do país interrompe a
programação para, mais uma vez, transmitir ao vivo mais um depoimento de mais
uma CPI. Somos todos convertidos em policiais, investigadores, nessa operação.
Me recuso a ficar assistindo a essa teatralização da moralidade vigente. Pontos na audiência, adeptos na plateia.
A televisão coloca o telespectador diretamente no ambiente de um tribunal.
Todos atiram suas farpas e xingamentos contra o réu da vez. E assim, como disse
um cantor, nos tornamos brasileiros.
sábado, 4 de abril de 2015
O abandono
Há coisas fáceis de abandonar: um blog, uma conta em
rede social, uma roupa usada, um livro, até mesmo uma profissão. Uma pessoa
pode abandonar também suas convicções, quando estas se mostram inúteis ou
perdem a relevância. É possível abandonar pessoas — vale dizer, afetos — em
relações de diferentes matizes, quando essas pessoas ou relações já não nos
dizem nada, ou fazem mal. Mas será possível abandonar um ódio profundo, mortal?
A fé em um deus pode ser abandonada sem consequências? Dito de outra forma: o
ódio, a fé podem ser mais fortes que o desejo de abandoná-los? Se sim, na
verdade são eles que não nos abandonam.
domingo, 29 de março de 2015
Herberto Helder
A poesia
também pode ser isso:
a dor com
que não durmo lavrado completamente
íngremes
laborações dos aerólitos — e então um pingo de ouro nos
recessos
do cérebro. Que
fosse a aparição contínua. Pode ser o inventário do
sono pode
no casulo
desdobrado quando a seda.
(...)
Herberto Helder. Ou o poema contínuo. São Paulo: A
Girafa, 2006, p.457.
domingo, 22 de março de 2015
sem álibi
Pratiquei
umas três boas ações ontem, duas delas inadvertidamente (na falta de termo melhor). O mesmo
deve valer para o mal que pratico.
quinta-feira, 19 de março de 2015
Benfica
Com frequência as entregas dos Correios têm atrasado. Elas chegam
à Unidade Operacional de Benfica e lá ficam.
terça-feira, 10 de março de 2015
um país horrível
Um país que xinga uma mulher do que a presidente
Dilma foi xingada no domingo, e em pleno Dia Internacional da Mulher... esse
país tem esperança?
golpe em curso
“Existe um costume no Brasil de chamar de opinião pública o que é opinião publicada." (colhido em algum canto da internet)
domingo, 8 de março de 2015
sábado, 7 de março de 2015
quarta-feira, 4 de março de 2015
que país é esse...
Só por força de expressão e hábito nossos
representantes em Brasília podem ser chamados de “nossos”. Abertamente e sem
qualquer rebuço ou constrangimento, legislam em causa própria, brigam feito
galos em rinha o tempo todo pelo poder, que se torna o condutor único de sua
ação, uma causa em si. Os presidentes da Câmara e do Senado representam “apenas”
(mas isso diz tudo) o que essas duas casas se tornaram — de forma alguma os
eleitores, a nação, aqueles que lá os colocaram para... Para que mesmo?
terça-feira, 3 de março de 2015
a curva de cada dia
Em momentos de maior aflição, procuro Deus. Por
atavismo, começo a rezar o pai-nosso: “Pai nosso que estais no céu...” Mas dura
bem pouco minha intenção. Não consigo dizer “seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu.” Se eu quisesse me
demitir de minha vontade, de meus desejos, seria outra minha vida, não estaria
aflita pelo que me aflige. Provavelmente eu seria outra, em perfeita comunhão
com Deus. O que é Deus? Quem é Ele? Isso a que chamam destino certamente se
impõe, está se desenhando em mim, vai além da morte. Por enquanto, tenho
a ilusão de que participo de sua caligrafia, pelo menos. E não quero chamar
Deus de Destino.
domingo, 1 de março de 2015
Orides Fontela
ERRÂNCIA
Só porque
erro
encontro
o que não se
procura
só porque
erro
invento
o labirinto
a busca
a coisa
a causa
da procura
só porque
erro
acerto: me
construo.
margem de
erro: margem
de liberdade
erro
encontro
o que não se
procura
só porque
erro
invento
o labirinto
a busca
a coisa
a causa
da procura
só porque
erro
acerto: me
construo.
margem de
erro: margem
de liberdade
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.202.
sábado, 28 de fevereiro de 2015
Orides Fontela
NARCISO (JOGOS)
Tudo
acontece no
espelho.
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.333.
Tudo?
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
sentimentos ínfimos (ou o desejo de silêncio)
Alhear-me, esquecer, não sentir (tanto) as pressões
incessantes do mundo, contas (de variada natureza), cartas que chegam por todos
os meios. O que simplesmente acontece. Fatos (abre aspas):
...fatos
são
pedras duras.
Não
há como fugir.
Fatos
são palavras
ditas
pelo mundo.
Alhear-me, e experimentar o supremo prazer de poder ficar quieta.
domingo, 22 de fevereiro de 2015
a morte (sentimentos confusos)
A morte desafia as definições bem assentadas de
dicionário. Ela é um incômodo, um desconforto, um espinho fisgando a carne e afetando a alma. Uma dor, sobretudo, um fantasma rondando a lembrar que o fim de
todos é debaixo da terra, roídos por vermes e sem agasalho ou proteção em
noites de chuva. Alguma coisa da vida ou da consciência sobrevive à morte
física, orgânica, à morte do corpo? Se sim, haverá horror maior que morrer? Claro
que há: o catálogo de horrores desse mundo aquém-túmulo parece infindável e inesgotável,
mesmo porque a imaginação humana não cansa de buscar excitação em fantasias
macabras e aterrorizantes. Mas a morte não pertence ao domínio das
monstruosidades fabricadas pelo homem, que não obstante estão intrinsecamente
ligadas a ela. A morte, primariamente, pertence ao domínio da natureza. Não pode
ser evitada. E dói, como se fizesse parte da vida.
sábado, 21 de fevereiro de 2015
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Orides Fontela
POLICIAL
Culpados
ou
cúmplices
nunca temos
álibi:
por força, estamos
aqui.
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.297.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
Orides Fontela: "excessiva vivência"
FALA
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio de Janeiro: 7 Letras,
2006, p.31.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
a obra de arte no corredor
Minha resistência a exposições, em especial as de
grande apelo, como esta, é que elas são tratadas como arte, causam filas e frisson, mas na verdade funcionam como
cultura. O que há contra a cultura? Nada — desde que não assuma o disfarce de
arte.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
letargia
Minha miopia tem me feito enxergar tudo meio lento —
os Correios, o retorno das ligações dadas, a internet, as operações básicas da vida. A paciência
precisa ser de Jó, mas a ansiedade é moderna, contemporânea, não é fenômeno que
se possa aferir com parâmetros bíblicos. Leio sobre meditação e técnicas de
respiração, mas é preciso pagar para se iniciar nesses saberes milenares — quem
sabe os mesmos que permitiram a Jó esperar tanto —, além de sair de casa, fazer
contatos, mandar e-mails, dar telefonemas, encontrar espaço na agenda, coisas
que via de regra mais chateiam que acalmam. Tento imaginar o mundo em que essas
técnicas de desacelaração foram criadas, forjadas, elaboradas. Não consigo. Enquanto
isso o país parece estar caminhando para um nó, cujo desfecho vai ser certamente
desagradável.
domingo, 8 de fevereiro de 2015
Assinar:
Postagens (Atom)