Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 14 de julho de 2013

a descoberta da vida

Lia (o verbo reler, no caso de Clarice, não se aplica), antes de dormir, a crônica “A descoberta do mundo”, inserta em uma coletânea do gênero, quando, ao chegar neste trecho, voltei e voltei mais uma vez: “Ou será que eu adivinhava mas turvava minha possibilidade de lucidez para poder, sem me escandalizar comigo mesmo, continuar em inocência a me enfeitar para os meninos? (...) Seria minha ignorância um modo sonso e inconsciente de me manter ingênua para poder continuar, sem culpa, a pensar nos meninos?” Foi então que, um pouco nebulosamente, foi-se me revelando um dado, talvez o que faltava, de um enigma de minha história pessoal — não digo “o enigma” porque seria subestimar a vida. Eu entendi, eu encontrei a peça que faltava, não de maneira clara e lógica e cristalina, mas como essas coisas conseguem se dar ao nosso entendimento. E então jorraram imagens durante a noite, que confirmaram minha cegueira. Talvez então isso que Clarice disse possa ter algum sentido para mim: “Porque eu sempre soube de coisas que nem eu mesma sei que sei.” Clarice Lispector é única. E eu não sei se alguma coisa está melhor hoje pelo fato dessas coisas se terem dado, mas entender junto com Clarice Lispector é conhecer sem se brutalizar.

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