Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

acordar

O ruído do ar condicionado
Avisa que amanheceu.
Há um microclima no quarto
Traduzível como o prazer de estar vivo,
Enquanto o mundo soa-me
Um espaço contíguo
Onde outros vivos se movem.

domingo, 20 de outubro de 2013

Paulo Henriques Britto

POÉTICA PRÁTICA

A realidade é um calhamaço insuportável? 
Tragam-me então resumos.
 
A vida que se leva é um filme inassistível?
 
Vejamos só os anúncios.

São os limites do corpo intrusões malignas 
de um demiurgo escroto?
 
O corpo não é preciso, e o espírito é
 impreciso: 
eu não é um nem outro.

Anda inconveniente a tal da poesia, 
a significar?
 
Nada como um bom significante vazio
 
para abolir o azar.

Paulo Henriques Britto. Formas do nada. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 18.