Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 6 de outubro de 2012

amor suspeito

Depois da aula de pilates, entretive uma não tão breve ― e aqui já vai um sinal de enfaro ―conversa com uma das colegas, como sempre deflagrada por uma banalidade qualquer, no caso a cor dos meus olhos. Quando vi, estava recebendo uma aula de conquista amorosa, nada mais pedante e maçante. Dei graças a Deus quando minha interlocutora finalmente se despediu. Chego em casa e me lembro no átimo de que esta noite sonhei com este espaço, e também que me encontrava, no sonho, vasculhando o lixo, o da rua mesmo, e atrelado a ele encontrava um amor suspeito, estranho. Será que preciso continuar vasculhando meus recantos pouco limpos para escrever? O que esta travessia do desagradável está encenando? 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

ex-centricidade

Quando se toma certa distância, não há mais como voltar. Mas então torna-se possível quer dizer, as condições de possibilidade surgem ―, torna-se possível descobrir que a distância foi a proteção que o corpo e tudo que nele vai pediu para se resguardar de qualquer coisa muito violenta, farejada antes de tudo pela intuição. A distância pode até parecer exílio para quem admite um centro para tudo. Mas quando não há mais centro, e a única realidade tangível é o corpo que se possui, então argumentar em termos de distância é apenas uma forma de demarcar uma nova geografia dos sentimentos e afetos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Lino Machado

Comunicado:

“Urgente, amigos.
(A hora é grave.)

Agora
como está evidente
que o mundo
começou a morrer ― depressa!
precisamos correr
se pretendemos
exterminar
o máximo de gente.”

Lino Machado. Sob uma capa. Vitória: Secult, 2010, p.101.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

a ficção do se

Tudo aquilo que não se vive, que alguém não vive, comporá outra vida? Como seria essa vida paralela, essa outra vida a que não cedo meu corpo? Não existe. O “se” é uma ficção. E se... Não é possível: então não existe. A ilusão consiste em vislumbrar uma espécie de universo paralelo, enquanto cria-se outra ilusão, da vida adiada. O que existe, mesmo, são estas palavras, em que a vida em mim vive. Uma pena eu não ter recursos para dizer isso com mais fidelidade ao que sinto.