Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 27 de maio de 2016

a política do rebaixamento da política


Mário, A Tribuna de Minas (daqui)

Duke, O Tempo-MG (daqui)

ministério da cultura do estupro (joão paulo cuenca)

No dia em que virou notícia o caso de uma menor de idade dopada e estuprada por 30 homens, crime exposto em vídeo com risadas e piadas na internet, foi recebido pelo ministro Golpista da Educação e pelo ministro Biônico da Cultura um ator conhecido, entre outras coisas, por ter confessado o estupro de uma mãe de santo na TV – depois disse que aquilo era parte do seu show de stand up, apenas uma piada. Kkkkk.

Ficcional ou não, o relato de estupro foi recebido com aplausos e gargalhadas no programa do mesmo comediante que comentou a gravidez de uma cantora dizendo que "comeria ela e o bebê". O apresentador também disse, num show de stand up, que mulher feia deveria ver estupro como "oportunidade" e não "crime": "Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço". Defendeu-se dizendo que, claro, aquilo era apenas uma piada. Kkkkk.

Os homens que participaram desse estupro coletivo no Rio de Janeiro foram os que violaram a menina, os que a filmaram, os que compartilharam esse vídeo e os que fizeram comentários e piadas na internet sobre as imagens publicadas. Nenhum deles foi capaz de questionar o crime hediondo. Nenhum deles sentiu raiva, nojo, repulsa. Nenhum deles brigou para salvar a garota. Não saiu porrada. Nenhum deles foi a exceção: eles são a regra. No vídeo há gargalhadas. Em redes sociais, riram da mulher desacordada e sangrando assim: Kkkkk. Todos eles também devem achar as piadas de Alexandre Frota e Rafinha Bastos sobre estupro muito engraçadas. Kkkkk.
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Os números oficiais afirmam que uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos. Como o crime é o mais subnotificado de todos, acredita-se que apenas entre 10% a 35% registrem queixa à polícia. Conhecendo nossa polícia, faz sentido. Estudos do Ipea apontam justamente para o pior cenário: 476 mil casos de estupro em 2014 no Brasil, cerca de um estupro por minuto. Segundo pesquisa Datafolha, 90% das brasileiras têm medo de ser vítima de agressão sexual. Faz sentido. Enquanto você leu os parágrafos acima, duas brasileiras devem ter sido estupradas.

O apelido do criminoso que divulgou o vídeo desse estupro é Michel Brasil. Faz sentido. Nesse país machista, autoritário, patriarcal e violento, onde culpar a vítima é regra e a impunidade de gente como ele está garantida, ele está em casa.  Não só ele. Nós. Todos os homens somos responsáveis pela manutenção da violência contra a mulher. Não precisamos atacá-las fisicamente ou fazer piadas misóginas naturalizando violência para isso. Ao negar sua voz, ao tratá-la como nossa propriedade, ao objetificar sua existência, ao sermos os prepotentes narcisistas perversos e opressores que costumamos ser: o problema é nosso, a culpa também.

Só ficar consternado e escrever textinho oportunista pra ficar bem na fita não adianta. Existe um abismo de empatia que precisa ser atravessado – e isso é uma batalha diária que precisamos travar contra nós mesmos, contra nossa própria covardia e privilégios de gênero. Do contrário, nossas atitudes e palavras em momentos como esse terão a mesma substância de um livro de mesa de centro. Autocrítica ou desconstrução é pouco: precisamos de uma autodemolição. 

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopaulocuenca/2016/05/1775322-ministerio-da-educacao-e-da-cultura-do-estupro.shtml

quarta-feira, 25 de maio de 2016

pa(c)tos

Vou substituir os marcadores sobre o país por um só: Brasil: o escárnio.

desabafo no calor da hora - por alberto pucheu (via facebook)

"o golpe escrachou para todo o país que não temos lei, que vivemos um estado de exceção. a presidenta, diga-se, a honestidade em pessoa (a única nesse quesito totalmente ilesa até agora) e representante maior do poder, foi derrubada, evidenciando simultaneamente em todo o processo os criminosos que deram o golpe. como se não bastasse o que vimos na câmara, como se não bastasse a não punição de cunha e da maioria dos bandidos da câmara, como se não bastasse a fala de bolsonaro no dia (e a de tantos outros) e em tantos outros dias, como se não bastasse a evidência de um senado integralmente comprometido, como se não bastasse a evidência do supremo comprometido, dos altos empresários e da fiesp comprometidos, as gravações desses dias provam de algum modo os participantes do golpe, que não apenas estão soltos, mas estão governando o país, tendo o golpe sido dado. mas não basta isso, é preciso a cada minuto um ato pior, é preciso revogar o que antes sustentava alguma possibilidade de vida, é preciso lançar-nos a cada dia num ainda pior, de modo que, quando, a cada momento, pensamos que chegamos ao fundo do poço, vemos que não, vemos que o poço que querem criar não tem fundo. trata-se evidentemente de tirar o fundo, mesmo que na cara de todos. está sendo assim na revogação das conquistas em todos os níveis. foi assim na formação do ministério e, na extinção dos ministérios do pensamento, da criação e da diversidade. hoje, como mais um elemento sórdido, alexandre frota, que já se gabou em pleno programa de auditório de ter estuprado uma mulher dando detalhes de como havia feito a um auditório que ria, foi pautar o ministério da educação, recebido pelo ministro, que certamente compactua com ele. no momento, não consigo desvincular o horror do estupro na moça cometido pelos 30 criminosos dessa suspensão absoluta da lei que estamos vivendo da maneira mais evidenciada possível, que foi criada pelos bandidos que governam esse país. lembremos do senador perella, o traficante de cocaína, sendo senador e votando contra dilma, claro. dilma foi simbolicamente estuprada pelos bandidos machos. a moça foi literal e realmente estuprada pelos bandidos machos. a bandidagem pode tudo, é o sinal do supremo (é o sinal supremo), do congresso, da mídia, da fiesp, desses bandidos majoritários, fabricando um mundo sem lei. o brasil nunca foi afeito ao cumprimento da lei, mas agora chegou num nível insuportável. é o horror o que querem."
Alberto Pucheu: http://www.albertopucheu.com.br/