Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 2 de junho de 2012

daqui a cem anos, quando alguém perguntar o que foi o rock brasil, escutará (e ouvirá): legião urbana

Paulo Leminski

Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernando o peito.

Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha
E é melhor encher a cara.

Paulo Leminski. Caprichos & relaxos. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

aos intelectuais

A arte não age por acúmulo.

em boa companhia: a poesia de fernando pessoa

A morte chega cedo,
Pois breve é toda a vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto. 

Fernando Pessoa. Poesia: 1931-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.177-178.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

[um poema que poderia ter sido escrito por fernando pessoa]

Viemos ao mundo no ventre do Acaso, e ele só, neste mundo,
        Sem nos querer nem sonhar, célere nos acolheu.

BUENO, Alexei. Poemas gregos. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p.192.

o frescor de Deus

A brisa dessa manhã, à janela da cozinha, me trouxe Deus, misturado ao cheiro bom de café que vinha do ar vizinho.

domingo, 27 de maio de 2012

especulando

Pensando na relação que mantenho com este espaço, surpreendeu-me um pouco (mas só um pouco) a ideia de que a janela que se abre com o blog é uma espécie de espelho ― lugar em que me miro, mais do que quem eventualmente me lê. Não é desconsideração com quem aqui aporta, lê e comenta ― é tão somente admitir que todo diálogo (ou monólogo) se dá primeiro consigo mesmo.