Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

João Cabral de Melo Neto

DUPLICIDADE DO TEMPO

O níquel, o alumínio, o estanho,
e outros assépticos elementos,
ao fim se corrompem: o tempo
injeta em cada um seu veneno.

A merda, o lixo, o corpo podre,
os humores, vivos dejetos,
não se corrompem mais: o tempo
seca-os ao fim, com mil cautérios.

MELO NETO, João Cabral. Museu de tudo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p.105.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

estatísticas

70% vê o governo Dilma como ruim ou péssimo. 80% dos brasileiros quer a queda de Eduardo Cunha. 99,9% da população está lotando shoppings e centros de consumo popular para as compras de Natal. De 75 a 80% das mulheres adotou o animal print como elemento do vestuário. 99% dos brasileiros está triste, chateado ou infeliz com o país, a falta de dinheiro, o desemprego, a inflação, os rumos da economia. 100% dos usuários de ônibus, trens e metrô no Rio de Janeiro mostram expressão taciturna. O ceticismo e a indiferença são generalizados. O calor, insuportável. 

aniversários

Aniversários costumam ser uma coisa aborrecida, pelo simples fato da obrigação que os acompanha. Passo o ano recebendo notificações, lembretes e convites de aniversários, do circulo familiar às amizades. “Liga pra fulana, é aniversário dela”. “Hoje é aniversário de sicrano”. “Parabéns, que Deus lhe dê alegrias e muitos anos de vida”. É isso ou condenar-se ao ostracismo social. Há, no entanto, outras maneiras de amar as pessoas e os amigos. Como disse um compositor, eu acho tudo isso um saco. Mas a cereja do bolo vem em dezembro, quando o aniversariante-mor mobiliza pessoas ao redor do mundo e de uma árvore, para celebrar... o que mesmo? Acho que ninguém mais sabe.