Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 1 de janeiro de 2011

interjeições

Há um equívoco na palavra comunicação. Via de regra, as pessoas escutam apenas o que querem escutar, o que leva mais à concordância e ao assentimento que a uma eventual mudança de perspectiva. É como se as conversas, por polidez e o mais, não passassem de trocas de interjeições. Mudar de perspectiva, no sentido que Nietzsche deu ao termo, assumindo que tudo o que se tem são perspectivas, exige um desprendimento que o conforto a que se habituou um burguês quadrado (para empregar expressão de Clarice Lispector em crônica acerca de uma tela de Paul Klee, transcrita neste blog) não permite: "a possibilidade, a que é verdadeiramente, não é para ser explicada a um burguês quadrado. E à medida que a pessoa quiser explicar se enreda em palavras, poderá perder a coragem, estará perdendo a liberdade."

The Water Horse

[também no openfilm]

alucinógenos, misticismo, literatura, ciência...

Eu não sei se entendo isso que li, nem mesmo se deveria levar tão a sério uma revista de divulgação científica, haja vista que divulgar traz em si a incômoda palavra vulgar. Mas é que o tema é pertinente, e num certo sentido caro a todos que prestaram minimamente atenção à palavra espiritualidade: a possibilidade da experiência mística, de que sempre receio falar, por perceber estar adentrando terreno delicado. Mas já que comecei, vou adiante, pois comecei justamente porque iria adiante. Então reproduzo o trecho final da matéria, relatando experiências científicas com alucinógenos que teriam produzidos estados místicos. A ciência penetrando o imponderável:

A visualização das áreas do cérebro envolvidas nas emoções e pensamentos intensos que as pessoas têm sob a influência das drogas dará uma janela para a psicologia por trás das experiências místicas produzidas pelos alucinógenos. Pesquisas adicionais também poderão trazer abordagens não farmacológicas mais eficientes se comparadas às práticas espirituais tradicionais, como meditação ou jejum para produzir experiências místicas e mudanças comportamentais desejadas. [...] As experiências místicas podem originar um senso profundo e duradouro da interconexão entre pessoas e coisas ― perspectiva que está por trás dos ensinamentos éticos das tradições religiosas e espirituais. Assim, uma compreensão da biologia dos alucinógenos clássicos poderia ajudar a esclarecer os mecanismos por trás do comportamento ético e cooperativo humano ― conhecimento que, acreditamos, poderá vir a ser crucial para sobrevivência da nossa espécie.” A matéria é da edição de janeiro de 2011, e pode ser encontrada aqui.

O problema, a meu ver, está, como sempre, não nos meios, mas nos fins de tais pesquisas, que podem jogar na direção da domesticação de algo potencialmente libertador: o que estaria pressuposto em “mudanças comportamentais desejadas”? Outros termos e expressões também não deixam de levantar suspeita. Mas...

Mas há um depoimento do escritor Paulo Mendes Campos, uma espécie de Clarice Lispector em trajes masculinos, em que ele relata justamente a experiência libertadora que conheceu com os alucinógenos ― não tão longe da ciência, perto de coisas de que talvez eu pouco suspeite. Essa experiência do escritor foi divulgada pelo próprio: “No Brasil, foi Paulo Mendes Campos quem melhor descreveu o efeito de drogas alucinógenas na percepção individual. Influenciado por Adouls Huxley, que havia publicado o célebre As portas da percepção, o poeta mineiro tomou ácido lisérgico sob supervisão médica de um amigo e escreveu um límpido relato sobre o evento, descrevendo suas alterações de tempo, sua capacidade de observar cores e a tonalidade das vozes das pessoas. ‘Experiências com LSD’, de 1962, foi republicado em vários livros do autor e tem algumas conclusões psicológicas que são poesia pura. Por exemplo: “Não existem ruídos lancinantes. Nós é que somos lancinantes” (do site Tanto). Vou procurar... o relato!

Rainer Maria Rilke: Sonetos a Orfeu

II, 20

Entre as estrelas, que distância! Mas ainda mais irrestrita
é a distância que nos separa
de uma criança, por exemplo... ou uma pessoa cara ―,
ah! que distância infinita!

O destino nos mede, talvez, com o metro do Ser,
por estranho que se o tenha.
Quantas medidas entre o homem e a mulher
que o deseja e desdenha.

Tudo é distância ― é um círculo sem fim.
Vê, sobre o prato, à mesa, posta com brandura,
o peixe: a sua face obscura.

Peixes são mudos... se pensava outrora. Será assim?
Não haverá, afinal, um lugar que se deixe
Falar a língua dos peixes, sem o peixe?

RILKE, Rainer Maria. Coisas e anjos de Rilke. Trad. Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2007, p.165.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ciclos


Oceano from daac.mx on Vimeo.

2010-2011

Foi me perguntando ontem, com alguma delicadeza, e por pessoa de minha estima, se eu já estava me desfazendo de 2010, quer dizer, se já tinha entrado no clima de renovação do ano novo. Se a letra não foi exatamente esta, o espírito, por alto, queria dizer algo como expurgar. Certamente, e não só na véspera, mas ao longo de todo o ano houve um exercício constante de deixar para trás o que era para ser deixado, e mesmo sutis esquecimentos, lapsos, atos falhos e objetos perdidos concorreram para isso. Não é possível se descolar (e deslocar) de certas experiências sem atravessar sua parte material e concreta. E se de algumas situações eu me coloquei na distância da ordem de anos-luz é porque essa era a distância de antes, simplesmente. Eu apenas não estava enxergando. Como continuarei não enxergando outras tantas coisas, até que a neblina, ou nebulosa, se desfaça, para se refazer em outra constelação. Então não há um ponto culminante, apesar do ritual de passagem. Há pequenas passagens, e alguns saltos de qualidade. Essas coisas não funcionam por graus, ou degraus de uma escadaria. Elas têm algo da confusão que encontramos nas criações de Escher, cuja mostra, finalmente, deixará o CCBB Brasília para vir para o Rio. Assim se espera.

Relativity, litografia, 1953
[imagem obtida no site oficial de Escher]

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

I'm Not There: original soundtrack

Meu presente de Natal, que eu queria efetivamente ganhar, chegou pelo correio, o CD duplo I'm Not There, com as canções que integram a trilha sonora do filme homônimo. Quem enviou foi o Oliver Fabrício, da Finlândia, num envelope cheio de coisas a explorar. A maior pérola da coletânea, para os fãs, é a última canção do disco 2, justamente a canção título, no registro de Bob Dylan e The Band, de 1967, uma raridade encontrável, até onde apurei, somente neste CD, uma das canções mais bonitas de Bob Dylan. A versão do Sonic Youth é a segunda canção do disco 1 (aqui). Há uma bela interpretação de The Times They Are A Changin', por Mason Jennings, integrando a coletânea, entre outros momentos inspirados. Richard Gere atua como Dylan, a faceta mais fraca e comercial da empreitada de Todd Haynes, cujo ponto alto é Cate Blanchett, na foto da capa do CD.

It's All Over Now, Baby Blue (cover Bob Dylan)

Le Couperet (Costa-Gavras, 2005)


O Corte (segue um bom comentário aqui) constitui não só uma metáfora extrema do capitalismo (para sobreviver, eliminamos nossos concorrentes), como um forma de lidar com isso pela via do humor, já que não se escapa aos imperativos da sobrevivência. A questão em O Corte, mais que o desemprego, é a ameaça constante que paira sobre os indivíduos, empregados ou não. Levado a uma situação extrema, o protagonista recorre a métodos extremos, não sem passar por abalos psíquicos e emocionais. Remetendo a um serial killer cujos fins seriam nobres, o filme mantém um ritmo nervoso que é o próprio ritmo frio e alucinado com que o protagonista arquiteta e executa seu plano de recolocação no mercado de trabalho. Nesse sentido, o cotejo com o recente e em formato Oscar Up In The Air ― divulgado no Brasil como comédia romântica, já pelo título, numa estratégia tipicamente comercial (trailer aqui), com o belo e talentoso George Clooney no papel de protagonista que faz o trabalho sujo pelas empresas, com as mãos sempre limpas, de comunicar às pessoas a demissão delas  não deixa de provocar um travo de ironia, haja vista que neste caso a tentativa de humor restringe-se, no conjunto, ao drama pessoal do protagonista, herói às avessas de um mundo ingrato, triste e melancólico, e que fala de si próprio aludindo, na sua dificuldade de vínculos com o mundo, ao gnomo viajante do filme francês (uma das sequências mais curiosas de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain), mas na verdade seu reverso, pois não traz nenhuma boa-nova. Só mesmo no mundo fabuloso de Amélie Poulain gnomos viajam, fazendo acreditar que sonhos ainda são possíveis no pesadelo em que o capitalismo converteu a vida das pessoas, com poucas possibilidades de fuga ou evasão.

Emily Dickinson: Memória


Para limpar o Armário antigo ―
De “Memória” chamado ―
Toma da Escova reverente ―
E em silêncio o farás.

Esse labor trará surpresas ―
Também a Identidade
De outros Interlocutores
Probabilizará ―

Se apossa o Pó desse Domínio
Excelso ― a acumular-se ―
Ele não pode ser contido
Mas pode te calar ―


That sacred Closet when you sweep ―
Entitled “Memory” ―
Selected a reverential Broom ―
And do it silently.

‘Twill be a Labor de surprise ―
Besides Identity
Of other Interlocutors
A probability ―

August the Dust of that Domain ―
Unchallenged ― let it lie ―
You cannot supersede itself
But it can silence you ―

DICKINSON, Emily. Alguns poemas. Trad. José Lira. São Paulo: Iluminuras, 2008, p.144-145.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

após o cinema: vista do mar

Como estava na orla de Botafogo, resolvi tomar o ônibus por lá mesmo, uma linha que faz um percurso interessante, porém mais longo, vindo pela orla. Então passou-se por Copacabana, o circo do réveillon sendo armado, praia lotada, aspecto de confusão e sensação de estar na parte do Rio de Janeiro com a qual a prefeitura efetivamente se ocupa: para inglês, francês, europeu, americano, argentino e a rede globo ver. Depois Ipanema, também bastante gente. Voltas e voltas, o Elevado do Joá, finalmente o ônibus sai na Barra, pegando a orla novamente. Aí sim: mar verde-azulado, ou azul-esverdeado, a perder de vista, lindo, aspecto um tanto selvagem, fim de tarde, pouca gente, e muito mar. O melhor mar do Rio de Janeiro não está no cartão postal. 

[imagem obtida aqui]

cinema

Ou eu fiquei chata e exigente demais ou me libertei de uma série de clichês. Vou na segunda hipótese, até porque me é mais simpática. Como estava a perambular pela zona sul e precisava de "distração", resolvi esticar até o Arteplex para conferir Tetro, o novo filme de Coppola, a que aludi em post anterior. Pois bem. Talvez até há um ano atrás, menos quem sabe, Tetro me deixaria comovida com a história tocante de um drama familiar que leva um de seus membros a uma espécie de semi-loucura. Pois o que consegui no máximo foi me entediar com a narrativa. Um dramalhão Hollywood demais, "poderoso chefão" repaginado, apenas que não se trata de máfia, mas de exibicionismo com toques de édipo e citações literárias. Um drama familiar italiano ambientado na Argentina e falado em inglês soa a pastiche. As atuações não convencem, embora a ideia em si seja interessante: a instituição família como um fermento perigoso para a loucura, que encontra uma saída na arte, na criação. Mas o que é feito dessa loucura o tempo todo senão um esforço de enquadramento, de adaptação? A criação não pode mesmo encontrar espaço aí, e teria razão o filho em seguir fugindo do "poderoso chefão". 


P.S. O custo da entrada de cinema, por si, obriga a uma seleção maior do que se vai assistir nas salas de exibição. Quase todo mundo que conheço faz download e assiste no computador. Ainda não atingi esse estágio, talvez porque faça já muitas coisas no computador e goste de assistir filmes num "enquadramento" adequado. Mas para filmes raros e fora de circulação não tem outro jeito.

Across The Universe - Craig Lyons (Beatles)

[também no openfilm, em excelente qualidade, e no vimeo]

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

o humor de Fernando Pessoa

“Se eu fosse mulher ― na mulher os fenômenos histéricos rompem em ataques ou coisas parecidas ― cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem ― e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...”

Não pude deixar de me divertir com o trecho, a linha nítida e segura (herança oitocentista) traçada entre homens e mulheres... Parêntese: ocorre-me inclusive, agora que escrevo, uma cena do filme I’m Not There, em que Bob Dylan fala abertamente de uma suposta incapacidade das mulheres para a poesia, porque, num pressuposto até coerente, homens e mulheres experimentam dores diferentes (cito de memória). Penso também em Almodóvar e seu ótimo Mulheres à beira de um ataque de nervos. Parêntese fechado. O fato é que, lendo o trecho no ônibus, enquanto aguentava o tranco de mais um dia daqueles sem ter um ataque, me divertia com a ideia de poder tê-lo. Sou mulher, enfrento todos os problemas da vida prática que um homem costuma enfrentar (finalmente a igualdade entre os sexos foi alcançada) e não sou histérica, até onde eu sei, evidentemente. Serei homem então? Não, de forma alguma, minha persona é toda de mulher. Como se explica então que eu ainda não tenha alarmado a vizinhança? Para onde estão sendo canalizados meus ataques? Para os sonhos? Ou a escrita foi a forma que encontrei de não ter ataques ou coisas parecidas

O trecho pertence a uma carta em que Fernando Pessoa explica a Adolfo Casais Monteiro a gênese dos heterônimos. Um detalhe é a generosidade de Fernando Pessoa na interlocução, a extrema elegância, delicadeza e atenção com que ele responde as perguntas e ponderações a ele dirigidas por Casais Monteiro.

PESSOA, Fernando. O banqueiro anarquista e outras prosas. 2.ed. São Paulo: Cultrix, 2008, p.141-151. Uma observação: há problemas tipográficos nesta edição, que se diz “revista”, imperdoáveis. O crescimento vertiginoso do mercado editorial no Brasil segue na proporção inversa da qualidade e do cuidado nas publicações.

se um viajante numa noite de inverno...

Sete motivos para não ir ao cinema e um para arriscar:

“Jacques é dono de um bar em Nova Iorque que serve de lar para um grupo de alcoólatras profissionais. Ele está determinado a fazer do álcool e do cigarro a causa de sua morte quando conhece Lucas, um jovem que já desistiu da vida. Determinado a manter seu legado vivo, Jacques...”

“O professor universitário John Brennan (Russell Crowe) levava uma vida perfeita até sua esposa, Lara (Elizabeth Banks), ser presa acusada de um crime brutal, que ela alega não ter cometido. Após três anos de vários recursos negados pela justiça, John...”

“Sosa (Ricardo Darín) é um ‘urubu’, um advogado especializado em acidentes rodoviários. Todos os dias ele vai aos locais de acidente, aos setores de emergência dos hospitais e às delegacias procurando clientes. Seu trabalho é lidar com as testemunhas, policiais, juízes e companhias de seguro. Mas...”

“O filme conta a história de Scott Pilgrim (Cera), um jovem que conhece a mulher do seus sonhos (Winstead), mas que só poderá conquistar seu coração se lutar contra seus sete maléficos ex-namorados. Cada um deles...”

“Alice, 40 anos, é uma típica mulher dos tempos atuais. Casada, um filho pequeno, trabalha como assessora de uma grande empresa. Seu ritmo alucinante de trabalho rouba quase todo o seu tempo e praticamente toda a sua libido. O resultado não podia ser outro...”

“Jake Sullivan é dono de uma pousada na Califórnia. Ana trabalha em uma loja de departamentos no Brasil, namora um playboy praiano e perde seu pai, que a deixa de herança uma dívida de 500 mil reais. Desesperada...”

“Jack (George Clooney) é um assassino profissional com um histórico impecável, mas quando um trabalho na Suécia acaba mal, ele promete que sua próxima missão será a última. Então Jack...”

“O ingênuo Bennie (Alden Ehreinreich), de 17 anos, chega a Buenos Aires devido a um problema no navio onde trabalha. Ele aproveita o ocorrido para encontrar seu irmão mais velho, Angelo (Vincent Gallo), que resolveu tirar um ano sabático e nunca mais entrou em contato com a família. Bennie consegue encontrá-lo, mas...” 

city of angels: Red Hot Chili Peppers

música para quase tudo: música para ouvir (Arnaldo Antunes)

Jean-Pierre Dupuy: "A fabricação do homem e da natureza"

Creio que já falei dessa conferência em algum post, perdido num recanto qualquer. Ontem me lembrei dela novamente, de como, a partir de uma fala inicial sobre nanotecnologias, Jean-Pierre Dupuy termina por especular sobre o imponderável que assinala cada pessoa, recorrendo a um mito grego para chegar a uma fala interessantíssima sobre o amor. Não só as nanotecnologias, mas todos os processos de fabricação do homem (e da mulher), do botox ao photoshop. A conferência pode ser acessada aqui ou aqui

P.S. Não julgo possível estar imune a esses processos, no máximo se consegue algum distanciamento em relação a eles, em especial que isso tudo vem a par da leitura do fantástico texto O banqueiro anarquista e sua teoria das ficções sociais. Assunto para outro post.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

sessão nostalgia: OASIS (abstraindo o Noel Gallagher)

[de volta à tese, com trilha sonora compatível]

blogosfera

Além de ter melhorado sensivelmente a qualidade deste espaço, o giro pela blogosfera levou-me a descobrir a excelência dos blogs de Portugal. Entre os que sigo, destaco, em ordem alfabética: a ilha do Zé; a namorada de wittgensteinantologia do esquecimento; DesertaçõesMy One Thousand Movies; Pessoa para todas as ocasiões;  profissão: leitor. Cada qual com estilo bem próprio, primam pela qualidade dos posts e da apresentação do espaço, bom gosto e um sentido apurado do estético. Seguir os links é uma ótima forma de conferir. 

domingo, 26 de dezembro de 2010

Starry Night - Van Gogh (animação)

Forever Young (juntando Bob Dylan e criança novamente)

apurando a escuta: ouvindo Clarice Lispector e outras vozes

Uma das coisas mais desastradas que pode acontecer a alguém é entregar a escuta de sua voz a ouvidos pouco habilidosos. Mas é só assumindo algum tipo de risco que é possível ser ouvido, escolhendo igualmente silenciar. A elegância começa nas atitudes ― li faz muito tempo num texto versando sobre moda, provavelmente frase de algum estilista de renome ― talvez Yves Saint Laurent? E acaba nelas ― emendou recentemente um interlocutor atento e curioso. Mas só foi possível captar essa intuição da qualidade da escuta apurando, de alguma forma, a intuição. Quer dizer: apurando o ouvido. Por isso me ocorre esse trecho de Clarice Lispector, lido hoje, "Não entender" (A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.172):

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.”

O trecho me consola do tanto que estou me sentindo burrinha, com meu embaraço diante da vida, das coisas, das pessoas, das diferentes situações de que não é possível se furtar. Um pouco disso é o esforço da tese: gastei bastante da minha inteligência na escrita, e tenho que guardar mais estoque para o que vem agora, os ajustes finais, o sine qua non. De forma que esse trecho da Clarice Lispector deveras me acalma ― pelo menos me poupa o esforço inútil de entender o que fatalmente escapa. Mas o problema é que quero entender, e há meio mundo de coisas a descortinar. A meio caminho entre a luz e a escuridão, preferindo muitas vezes esta, fui escutando algumas falas, e duas delas, recentes, eu anotei (trata-se de pessoas da minha melhor estima):

Mariana,
Obrigada por este ano de aprendizado. Desejo a você enorme sucesso na defesa da tese e que o ano de 2011 seja mais rico e pleno de felicidade.
Luz, muita luz, por todos os seus caminhos.

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Por isso, digo que estou aqui, e, na medida do possível, sou seu ponto de interlocução. Dois faróis numa noite escura, você e eu.

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P.S. Nisso tudo faltou anotar uma coisa: fui passar o Natal no meu estado de origem, o Espírito Santo e, pelo menos na intenção, ir para lá guardou uma conotação particularmente interessante. Mas o momento é todo de escuta, não há dúvida.

minha sobrinha vem me visitar


Minha sobrinha de quase quatro anos vem me visitar. Do quarto, onde assistia o Discovery Kids, ela emerge dizendo: tia mariana, essa música é legal... Na sala, eu tinha colocado Bob Dylan para escutar, baixinho, enquanto trabalhava, e começava a tocar Jokerman, com o estranho poder que essa música tem de, como uma varinha de condão, magnetizar o ambiente, a bela melodia do rouxinol. Então ela quis se sentar na poltrona reclinável para escutar melhor, enquanto perguntava como era mesmo o nome do moço que estava cantando a música.

Modest Mouse: The Whale Song

Pelo engenho da concepção, o clipe foi considerado um curta cuja trilha sonora é a canção The Whale Song (aqui)