Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 28 de julho de 2012

o azul

“Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.”

Clarice Lispector. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.25.

sábado

A semana é de trabalho e o sétimo dia de descanso. O sábado é meu. 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

vinho

O vinho ― sensação de vida no sabor da bebida forte. Vai-se aprendendo ― e apreendendo ― a perceber o sabor, a saborear. O vinho pede paciência e moderação ― bebe-se pouco. Para acompanhar, nozes, castanha do caju, castanha do Pará, queijo. E o momento, que acompanha o vinho e ao mesmo tempo o pede. Isso não tem nada a ver com ostentação, do que quer que seja. Há mesmo simplicidade em tomar um bom tinto seco. 

Orides Fontela

ESTRELAS

Fixar estrelas
no mapa móvel
zodíaco.

Jogar com astros
e fixar-se
no próprio jogo.

Nomear constelações
― submeter os astros
à palavra.

Buscar estrelas. Viver estrelas
                 ― animal siderado
                         e siderante.

FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac Naify: Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p.106.

terça-feira, 24 de julho de 2012

memória visceral

Às cegas, a mão procura o interruptor de luz da cozinha em outro lugar, até perceber que não está mais na antiga casa.

corpo

Fiz, pela primeira vez, uma aula de Pilates (modalidade Mat), seguida de outra de alongamento. De tudo que pude perceber como limitação minha, duas tornaram-se muito evidentes: a questão de flexibilidade e a dificuldade de coordenar movimentos e respiração. Ainda assim, a percepção aguda de que o corpo merece um tipo de cuidado vital. No mínimo, as limitações de flexibilidade não se restringem a ele.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

uma metáfora visual

"O pássaro que se separa de outro, vai voando adeus o tempo todo." - GSV

relendo grande sertão: veredas (XXXI)

Num dos diálogos entre o bando de Zé Bebelo e os moradores do estranho povoado dos catrumanos, Zé Bebelo enuncia um dos motes centrais de Grande sertão: veredas ― a exclusão que resiste aos grandes e sucessivos projetos de integração:

― “O que mal não pergunto: mas donde será que ossenhor está servindo de estando vindo, chefe cidadão, com tantos agregados e pertences?”
― “Ei, do Brasil, amigo!” ― Zé Bebelo cantou resposta, alta graça. ― “Vim departir alçada e foro: outra lei ― em cada esconso, nas toesas deste sertão...”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.403.

Há um Brasil esconso, misterioso e limítrofe, que parece zombar dos projetos de integração. Zé Bebelo é e não é isso, porque atesta um pertencimento ao Brasil sem nunca ter pisado no litoral. 

relendo grande sertão: veredas (XXX)

“Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era ― ficar sendo!”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.436.

O abraço dos cegos - Chico Lopes

“O fato é que somos universos a anos-luz uns dos outros e, quando nos roçamos, a faísca que se produz é no mais das vezes atrito, não harmonia. Esta é a origem do culto da solidão preconizado por Proust, Virgínia Woolf, Clarice Lispector ― a perplexidade de que um homem nunca se sintonize adequadamente com o outro, a estupefação com o fato de que não nos assemelhemos a ninguém e de que todas as relações sejam uma espécie de compromisso forçado para o espírito, uma opressão bem ou mal disfarçada. É duro olhar para o fundo de nós e notar que temos bem pouco em comum com quem quer que seja. Afinidades são constituídas em grande parte por complacências.” 

domingo, 22 de julho de 2012

relendo grande sertão: veredas (XXIX): "o alto destino possível"

“O mais que eu podia ter sido capaz de pelejar certo, de ser e de fazer; e no real eu não conseguia. Só a continuação de airagem, trastejo, trançar o vazio. Mas, por quê? ― eu pensava. Ah, então sempre achei: por causa da minha costumação, e por causa dos outros. Os outros, os companheiros, que viviam à-toa, desestribados; e viviam perto da gente demais, desgovernavam toda-a-hora a atenção, a certeza de se ser, a segurança destemida, e o alto destino possível da gente.”

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.421.

criatura gente

“Criatura gente é não e questão, corda de três tentos, três trancos.” ― diz Riobaldo a seu interlocutor enquanto narra um de seus embates com Diadorim. A palavra-chave é i n t e r l o c u t o r, caríssima às imagens desta noite. É assim que precisa constar escrito, é assim que eu consigo dizer.