Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 10 de julho de 2010

a vida secreta das palavras

"A Vida Secreta das Palavras" (Isabel Coixet, Espanha, 2005) é um filme sobre o desamparo humano quando a comunicação não é possível, ou se faz de forma precária. Pouco é dito, pouco acontece, mas ensaia-se um caminho para a redenção. O que pode a linguagem? O que as pessoas efetivamente dizem umas às outras, pergunta-se Clarice Lispector em uma de suas crônicas. Paradoxalmente, quando pouco pode ser dito é que parece acontecer o encontro, atravessando a angústia do silêncio que isola. Alguma coisa de humano subsiste para que o encontro propiciado pelas palavras possa acontecer. Não se pode pensar esse encontro fora da dimensão do humano (ou humana). Mas então o homem de fato existe? Seria ele algo mais que aquilo que a linguagem lhe faculta? Ou o humano é dado pelos limites da linguagem, pelo que a linguagem faz dele? O que  é o humano? Quando nos encontramos de fato com o outro? O filme parece sugerir que até da mais funda incomunicabilidade a vida pode surpreender, e o humano palpitar, acontecer... Seria assim um despertar da linguagem, sugerido pela imagem do segredo, ou vida secreta, das palavras... Segue o trailer.

domingo, 4 de julho de 2010

Chico Buarque de Holanda é pura sofisticação

"O Crocodilo" - Nanni Moretti

Como em qualquer bom filme italiano, ninguém se entende, mas dá-se boas risadas... e de mais a mais, eles conseguiram reeleger o Berlusconi, então é mesmo a história de falar de corda em casa de enforcado. Surpreendente, refinado, irônico, político. Segue uma ótima crítica.

"Bianca" (cena da praia)

Trata-se de um psicopata, sem dúvida, ou de um melancólico, quem sabe. A íntegra do filme só vai confirmar isso. Um filme ótimo, com um humor refinado, típico do Moretti, uma das boas surpresas das mostras a que assistia no Palácio da Artes, em BH. E é o próprio Moretti que faz o psicopata, digo, o protagonista. A seu modo, um filme político.

"Habana Blues" (trecho)

uma singela homenagem... lírico, divertido e delicado

Segue uma crítica pelo UOL Cinema.

Flor do deserto

"Flor do Deserto" (trailer) é uma excelente oportunidade perdida de fazer bom cinema a partir de uma história dramática, potencialmente trágica conforme o ponto de vista. O filme segue o esquema básico de tentar agradar o público, subestimando-o mais uma vez, pois a história da modelo Waris Dirie poderia render uma adaptação cinematográfica bem melhor. Nada se destaca, a não ser a beleza da atriz que interpreta a modelo. O roteiro não convence, é apenas um apanhado de cenas, não há densidade dramática nas atuações. O tema central do filme, a mutilação genital das mulheres, uma prática culturalmente associada à religião muçulmana, não necessariamente uma prática vinculada a esta religião (veja aqui informações fornecidas pela Wikipédia), acaba ocupando uma posição secundária em boa parte do filme, que se perde em cenas por vezes patéticas e infantis. Apenas no final o tema vem à tona em toda a sua força dramática. O que poderia suscitar uma discussão  acerca dos limites da aceitação das diferenças culturais, no que tange à universalidade dos Direitos Humanos, acaba se perdendo em meio a situações prosaicas e secundárias. É a beleza da moça que, em Londres, salva-a de uma deportação e abre-lhe muitas portas, mas antes disso o que efetivamente a salvou - de um destino ainda pior - foi a sua coragem e obstinação, ao fugir sozinha e sem recursos da tribo onde vivia. Isso fica em segundo plano no filme.