Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Manuel Bandeira

Entrevista

Vida que morre e que subsiste
Vária, absurda, sórdida, ávida,
Má!

Se me indagar um qualquer
Repórter:
“Que há de mais bonito
No ingrato mundo?”
Não hesito;
Responderei:
“De mais bonito
Não sei dizer. Mas de mais triste,
― De mais triste é uma mulher
Grávida. Qualquer mulher grávida.”

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.242.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Rainer Maria Rilke

O LEITOR

Quem pode conhecer esse que o rosto
mergulha de si mesmo em outras vidas,
que só o folhear das páginas corridas
alguma vez atalha a contragosto?

A própria mãe já não veria o seu
filho nesse diverso ele que agora,
servo da sombra, lê. Presos à hora,
como sabermos quanto se perdeu

antes que ele soerga o olhar pesado
de tudo o que no livro se contém,
com olhos, que, doando, contravêm
o mundo já completo e acabado:
como crianças que brincam sozinhas
e súbito descobrem algo a esmo;
mas o rosto, refeito em suas linhas,
nunca mais será o mesmo.

RILKE, Rainer Maria. Coisas e anjos de Rilke. Tradução Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2007, p.145.

uma escrita entranhada na vida

De repente, me dei conta de que este espaço se tornou mais do que cotidiano. Nunca pensei que escrever, falar, fosse se revelar tão importante. É claro que vem sempre alguém me lembrar da tese, e eu respondo: está a caminho... Ouso pensar que minha tese está se fazendo por esta escrita, aqui, a contrapelo, pelo avesso... Porque eu precisava disso, de um estímulo, de um desafio para pensar. Aqui eu sinto isso muito intensamente. E sinto de forma especialmente aguda o embate em torno de erguer uma voz, entre tantas. Mas eu estou simplesmente apaixonada por isso, não consigo parar. Percebo uma ligação remota com aquele gosto em escrever que sempre tive na escola, não obstante tratar-se de uma escrita controlada. E aqui não é? Seria ingênuo supor que não. Mas cada post é uma tentativa de escapar a isso, ao controle pressentido, intuído. Não se trata de qualquer artifício, mesmo porque há um imenso perigo neles ― em geral os estratagemas atraem os próprios agentes. Mas a vida é mais do que isso, muito mais. E à obstinação com que me lancei neste espaço devo o meu efetivo reencontro com a poesia. Já era tempo.

sic!

De uma entrevista do escritor Raduan Nassar, lida faz bastante tempo, recordo-me uma posição corajosa. Ele, ao questionar a autoridade de certos próceres do modernismo brasileiro, referindo-se à academia como o "clero literário", falava algo mais ou menos assim: que os professores, em vez de ficarem impingindo carradas de teoria aos alunos, deveriam ensinar-lhes a pensar com a própria cabeça, supondo que estes mesmos professores fossem capazes de fazê-lo... O que pode ser, hoje, ainda conseguir pensar com a própria cabeça? 

ARK - curta de animação


"This is a short animated film about an unknown virus that has destroyed almost the entire human population. Oblivious to the true nature of the disease, the only remaining survivors escape to the sea. In great ships, they set off in search of uninhabited land. So begins the exodus, led by one man..." Do Portal Cinema.

Jorge Luis Borges: trecho final do conto "Os teólogos"

O final da história só pode ser narrado com metáforas, já que se passa no reino dos céus, onde não há tempo. Talvez fosse oportuno dizer que Aureliano conversou com Deus e que Este se interessa tão pouco por diferenças religiosas que o tomou por João de Panonia. Isso, entretanto, insinuaria uma confusão na mente divina. Mais correto é dizer que no paraíso Aureliano soube que, para a insondável divindade, ele e João de Panonia (o ortodoxo e o herege, o odiado e o que odeia, o acusador e a vítima) formavam uma única pessoa.

BORGES, Jorge Luis. Obras completas I. São Paulo: Globo, 1998, p. 619. Tradução de O aleph: Flávio José Cardozo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Augusto dos Anjos

Ultima Visio

Quando o homem, resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia verdadeira!

A impérvia escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória inteira
Deus resplandecerá dentro da poeira
Como um gazofilácio de diamante!

Nessa última visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem precito...

A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

Roteiro da poesia brasileira: Pré-modernismo. Seleção Alexei Bueno. São Paulo: Global, 2007, p.73-74.


Ultima Visio

Quando o homem, resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia verdadeira!

A impérvia escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória inteira
Deus resplandecerá dentro da poeira
Como um gazofilácio de diamante!

Nessa última visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem precito...

A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 48.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p.192. 

nostalgia dupla


Vídeo com imagens antigas da cidade de Vitória, capital do ES, tendo como fundo musical "Carinhoso", de Pixinguinha, e uma verdadeira pérola de Noel Rosa, "Positivismo".

Noel Rosa e os Tangarás

"Especial 100 Anos Noel Rosa" - 30 de setembro de 2010 (trechos)

heresia

Na aula de hoje, o objeto de atenção foi o Hino Nacional. Tomei da letra e fui colocando tudo na ordem direta, enquanto dizia aos alunos: olhem bem o que vocês estão cantando... Pois da forma como foi composto, em plena época áurea do floreado parnasiano e do gosto desmedido pelo ornato verbal, é quase impossível atinar com o que está sendo dito/cantado. E o Hino Nacional pede, em bom português, nada mais nada menos que nossa vida, nosso incondicional amor pela pátria mãe gentil, idolatrada, salve, salve! Alguns trechos, em ordem direta: "O nosso peito desafia a própria morte". "Mas, se (tu, Brasil) ergues a clava forte da justiça, verás que um filho teu não foge à luta, (e) quem te adora nem teme a própria morte" ― não é fácil, alguns torneios linguísticos confundem, pois dominam a letra o vocativo Brasil, duplicado em termos congêneres, e os apostos, desdobrando o vocativo. O fato é que a pátria não tem sido, historicamente, gentil com todos os seus filhos, indistintamente. Em adição, alguns filhos da pátria entenderam esse amor irrestrito de forma irrestrita, sem trocadilho, e saíram a pilhar tudo o que podiam. Resultado: depende da margem do Ipiranga que tocou a cada um dar seu brado de Independência, quando pôde fazê-lo. E pelo visto são muitas as margens, nem todas ouviram o tal brado retumbante. Alguns alunos perceberam a armação linguística, a armadilha verbal. Há uma história contada por José Miguel Wisnik, e confirmada pelo filme dedicado a Noel Rosa, de que o ilustre compositor teria, no samba "Com que roupa?", colocado o primeiro verso ― "Agora eu vou mudar minha conduta"  na melodia do hino. Muda bastante o sentido. Avisado por um amigo, ele alterou a melodia do verso.

♪ é super humano ♪


Em uma conversa telefônica, acabei brincando com a letra da abertura desse programa: ♪ estar com vocês, brincar com vocês, é super humano ... do outro lado da linha:  boneco de pano ♫... Faz parte do imaginário, não tem jeito. Li certa feita o Caetano dizendo que assistia regularmente ao programa, para ver as pernas dela... humano, demasiado humano... 

"palhaço da boca verde" (trechos): tutaméia

“Só o amor em linhas gerais infunde simpatia e sentido à história, sobre cujo fim vogam inexatidões, convindo se componham; o amor e seu milhão de significados. Assim, quando primeiro do mesmo se tem notícia, viajava o protagonista, de trem, para Sete-Lagoas. Ele queria conversar com uma mulher [...] queria entender o avesso do passado entre ambos, estudadamente, metia-se nessa música, imagem rendada; o que a música diz é a impossibilidade de haver mundo, coisas. ― Inútil... a lucidez ― está-se sempre no caso da tartaruga e Aquiles. [...] Estava sem óculos; não refabulava. Era o homem ― o ser ridente e ridículo ― sendo o absurdo o espelho em que a imagem da gente se destrói. [...] De dia, de fato, tiveram de romper a porta, havido alvoroço. Na cama jazendo imorais os corpos, os dois, à luz fechada naquele quarto. A morte é uma louca? ― ou o fim de uma fórmula. Mas todos morrem audazmente ― e é então que começa a não-história.

ROSA, João Guimarães. Tutaméia: terceiras estórias. 8.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.169-173.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

humores da língua

Preciso de um emprego. Tenho 15 filhos.
E o que mais o senhor sabe fazer?

POSSENTI, Sírio. Os humores da língua. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998, p.32.

Antonio Candido: "A verdade da repressão"

A VERDADE DA REPRESSÃO
Antonio Candido

Balzac, que percebeu tanta coisa, percebeu também qual era o papel que a polícia estava começando a desempenhar no mundo contemporâneo. Fouché a tinha transformado num instrumento preciso e onipotente, necessário para manter a ditadura de Napoleão. Mas criando dentro da ditadura um mundo paralelo, que se torna fator determinante e não apenas elemento determinado.
O romancista tinha mais ou menos dezesseis anos quando Napoleão caiu, e assim pôde ver como a polícia organizada por Fouché adquirira por acréscimo (numa espécie de desenvolvimento natural das funções) o seu grande papel no mundo burguês e constitucional que então se abria: disfarçar o arbítrio da vontade dos dirigentes por meio da simulação de legalidade.
A polícia de um soberano absoluto é ostensiva e brutal, porque o soberano absoluto não se preocupa em justificar demais os seus atos. Mas a de um Estado constitucional tem de ser mais hermética e requintada. Por isso, vai-se misturando organicamente com o resto da sociedade, pondo em prática um modelo que se poderia chamar de “veneziano” ― ou seja, o que estabelece uma rede sutil de espionagem e de delação irresponsável (cobertas pelo anonimato) como alicerce do Estado.
Para este fim, criam-se por toda a parte vínculos íntimos e profundos. A polícia se disfarça e assume uma organização dupla, bifurcando-se numa parte visível (com os seus distintivos e as suas siglas) e numa parte secreta, com o seu exército impressentido de espiões e alcagüetes, que em geral aparecem como exercendo ostensivamente outra atividade. Este funcionamento duplo permite satisfazer também a um requisito intransigente da burguesia, dominante desde os tempos de Balzac e dispensado só nos casos de salvação da classe: a tarefa policial deve ser executada implacavelmente, mas sem ferir demais a sensibilidade dos bem-postos na vida. Para isso, é preciso esconder tanto quanto possível os aspectos mais desagradáveis da investigação e da repressão.
Para obter esse resultado, a sociedade suscita milhares de indivíduos de alma convenientemente deformada. Assim como os “comprachicos” d’O homem que ri, de Victor Hugo, estropiavam fisicamente as crianças a fim de obterem aleijões para divertimento dos outros, a sociedade puxa para fora daqueles indivíduos a brutalidade, a privação, a frustração, a torpeza, a tara ― e os remete à função repressora.
Daí o interesse da literatura pela polícia, desde que Balzac viu a solidariedade orgânica entre ela e a sociedade, o poder dos seus setores ocultos e o aproveitamento do marginal, do degenerado, para o fortalecimento da ordem. Nos seus livros há um momento onde o transgressor não se distingue do repressor, mesmo porque este pode ter sido antes um transgressor, como é o caso de Vautrin, ao mesmo tempo o seu maior criminoso e o seu maior policial.
Dostoievski percebeu uma coisa mais sutil: a função simbólica do policial como sucedâneo possível da consciência ― a sociedade entrando na de cada um através da pressão ou do desvendamento que ele efetua. Em Crime e Castigo, o juiz de instrução Porfírio Porfíriovitch vai-se tornando para Raskolnikof uma espécie de desdobramento dele mesmo.
Mas foi Kafka, n’O Processo, quem viu o aspecto por assim dizer essencial e ao mesmo tempo profundamente social. Viu a polícia como algo inseparável da justiça, e esta assumindo cada vez mais um aspecto da polícia. Viu de que maneira a função de reprimir (mostrada por Balzac como função normal da sociedade) adquire um sentido transcendente, ao ponto de acabar se tornando sua própria finalidade. Quando isso ocorre, ela desvenda aspectos básicos do homem, repressor e reprimido.
Para entrar em funcionamento, a polícia-justiça de Kafka não tem necessidade de motivos, mas apenas de estímulos. E uma vez em funcionamento não pode mais parar, por que a sua finalidade é ela própria. Para isso, não hesita em tirar qualquer homem do seu trilho até liquidá-lo de todo, física ou moralmente. Não hesita em pô-lo (seja por que meio for) à margem da ação, ou da suspeita de ação, ou da vaga possibilidade de ação que o Estado quer reprimir, sem se importar se o indivíduo visado está envolvido nela. Em face da importância ganha pelo processo punitivo (que acaba tendo o alvo espúrio de funcionar, pura e simplesmente, mesmo sem motivo), a materialidade da culpa perde sentido.
A polícia aparece então como um agente que viola a personalidade, roubando ao homem os precários recursos de equilíbrio de que usualmente dispõe: pudor, controle emocional, lealdade, discrição ― dissolvidos com perícia ou brutalidade profissionais. Operando como poderosa força redutora, ela traz à superfície tudo o que tínhamos conseguido reprimir, e transforma o pudor em impudor, o controle em desmando, a lealdade em delação, a discrição em bisbilhotice trágica.
Daí uma espécie de monstruosa verdade suscitada pela polícia. Verdade oculta de um ser que ia penosamente se apresentando como outro, que de fato era outro, na medida em que não era obrigado a recair nas suas profundidades abissais. Aliás, seria mais correto dizer que o outro é o suscitado pela polícia. O outro, com a sua verdade imposta ou desentranhada pelo processo repressor, extraída, contra a vontade, dos porões onde tinha sido mais ou menos trancada.
De fato, a polícia tem necessidade de construir a verdade do outro para poder manipular o eu do seu paciente. A sua força consiste em opor o outro ao eu, até que este seja absorvido por aquele e, deste modo, esteja pronto para o que se espera dele: colaboração, submissão, omissão, silêncio. A polícia esculpe o outro por meio do interrogatório, o vasculhamento do passado, a exposição da fraqueza, a violência física e moral. No fim, se for preciso, poderá inclusive empregar a seu serviço este outro, que é um novo eu, manipulado pela dosagem de um ingrediente da mais alta eficácia: o medo ― em todos os seus graus e modalidades.

***

Um exemplo dessa redução degradante é o comportamento do delegado com o encanador, no filme Inquérito sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, de Elio Petri.
O delegado, que é também o criminoso, resolve brincar com o destino e como que provar o mecanismo autodeterminante da polícia, a sua finalidade em si mesma. Para isso, dirige-se a um transeunte qualquer, escolhido ao acaso, e confessa que é o matador procurado, dando como prova a gravata azul celeste que usa e fora vista nele.  Convence então o pobre transeunte a ir à polícia e relatar o fato, dando-lhe para levar como indício (e evidentemente como baralhamento do indício) diversas gravatas iguais, que mostrariam como era a do assassino.
Chegando à polícia, o transeunte, que é encanador, dá de cara com o assassino que se confessara na rua, e que ia delatar; mas que agora está no seu papel de delegado. Este o interroga com brutalidade e o pressiona física e moralmente para dizer quem era o assassino que se desvendara a ele na rua. Mas o pobre diabo, completamente desorganizado pela contradição inexplicável, não tem coragem para tanto. Com isso, vai ficando suspeito, vai-se caracterizando legalmente como possível criminoso, até desaparecer dos nossos olhos, trôpego, arrasado, por uns corredores sujos que levam aonde bem suspeitamos.
A força que o paralisa, e que nos paralisaria eventualmente, vem de uma ambigüidade, misteriosa na aparência, mas eficaz, cuja natureza foi sugerida acima: o repressor e o transgressor são o mesmo, não apenas fisicamente e do ponto de vista dos papéis sociais, mas ontologicamente (o outro é o eu).
Tudo nesse episódio é modelar: a gratuidade com que se escolhe o culpado; a imposição de um comportamento não intencional (ir à polícia com as gravatas azuis no braço, delatar um criminoso sem nome, que não interessa); o baralhamento da verdade, quando ele constata que o homem que se denunciara como assassino é também o delegado; a transformação do inocente em suspeito e do suspeito em delinqüente, aceita pelo próprio inocente, do fundo da sua desorganização mental, forjada pela inquirição.
O fulcro desse processo talvez seja aquele momento do interrogatório em que o delegado pergunta ao pobre diabo, já zonzo, qual é a sua profissão.
“― Sou hidráulico”, responde ele.
O delegado esbraveja:
“― Qual hidráulico qual nada! Agora toda a gente quer ser alguma coisa bonita! O que você é é encanador, não é? En-ca-na-dor! Por que hi-dráu-li-co?!”
E o desgraçado, já sem fôlego nem prumo:
“― Sim, sou encanador”.
(Cito de memória porque não tenho o roteiro.)
Vê-se que o pobre homem, a exemplo de toda a sua categoria profissional, tinha adotado uma designação de cunho técnico (idraulico, em italiano), que o afasta da velha designação artesanal encanador (stagnaro, em italiano), e assim lhe dá a ilusão de um nível aparentemente mais elevado, ou pelo menos mais científico e atualizado. Mas o policial o reduz ao nível anterior, desmascara a sua autopromoção, tira para fora a sua verdade indesejada. E no fim, é como se ele dissesse:
Sim, confesso, não sou um técnico de nome sonoro, que evoca inocentemente alguma coisa de engenharia; sou mesmo um pobre diabo, um encanador. Estou reduzido ao meu verdadeiro eu, libertado do outro”.
Mas, na verdade, foi a polícia que lhe impôs o outro como eu. A polícia efetuou um desmantelamento da personalidade, arduamente construída, e trouxe de volta o que o homem tinha superado. Sinistra mentalidade redutora, que nos obriga a ser, ou voltar a ser, o que não queremos ser; e que mostra como Alfred de Vigny tinha razão, quando anotou no seu diário:
“Não tenha medo da pobreza, nem do exílio, nem da prisão, nem da morte. Mas tenha medo do medo”.

(Publicado em Opinião, nº 11, 15-22 de janeiro de 1972.)
Revista Discurso, São Paulo, nº 10, 1979, p.1-5.

"People Ain't No Good" - Nick Cave


Cheguei ao Nick Cave através do Wim Wenders. Cheguei e gostei. Essa música, em especial, é bastante cruel: “It ain't that in their hearts they're bad / They can comfort you, some even try / They nurse you when you're ill of health / They bury you when you go and die / It ain't that in their hearts they're bad / They'd stick by you if they could / But that's just bullshit / People just ain't no good” ― no site oficial (aqui).

"Satolep": Vitor Ramil



Um compositor e cantor cuja música conheci recentemente, por intermédio de um amigo do sul, e que agora descubro ser também escritor. Em que mundo eu andava? Segue o link do site oficial (aqui).

20 e poucos anos: eu não abro mão!


Mais uma promessa de Roberto Carlos que não passou dos 20 e poucos anos. Paulo Ricardo também tentou. O Rei continua imbatível em seu posto de romântico popular. "São tantas emoções".

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

The Doors - "Light My Fire"

Sérgio Sant’ Ana Ortiz

Ainda bicho
              a Manuel Bandeira

Hoje mesmo vi um bicho
Ele ainda cata comida
No chão de um terreiro
Entre os detritos que esqueci.

Quando acha alguma coisa
Ele não se satisfaz:
E joga o lixo pelos ares.

O bicho não é um cão,
Não é um gato,
Não é um rato.

O bicho, sem deus, ainda é homem.

As flores do precipício, p.4 (enviado pelo autor)

domingo, 24 de outubro de 2010

@buarquices: acervo Tauil

Conheça aqui o Canal de Tauil, um acervo de vídeos de Chico Buarque.

Chico Buarque: "As Minhas Meninas"

Álvaro de Campos: "Dobrada à moda do Porto"

Ribeiro Couto: pérola do humor modernista

A canção de Manuel Bandeira

Já fui sacudido, forte,
De bom aspecto, sadio,
Como os rapazes do esporte.
Hoje sou lívido e esguio.
Quem me vê pensa na morte.

O meu mal é um mal antigo.
Aos dezoito anos de idade
Começou a andar comigo.
E esta sensibilidade
Põe minha vida em perigo!

Já sofri a dor secreta
De não ser ágil e vivo.
Mas, enfim, eu sou poeta.
Tenho nervos de emotivo
E não músculos de atleta.

As truculências da luta!
Para estas mãos não existe
O encanto da força bruta.
... Nada como um verso triste
― Verso, lágrima impoluta...

(O bem que há num verso triste!)

Poemetos de ternura e melancolia (1924).

Roteiro da poesia brasileira: Pré-modernismo. Seleção Alexei Bueno. São Paulo: Global, 2007, p.171.

Charles Baudelaire

Tratando especificamente de Charles Baudelaire, Antonio Candido situa o espectro da influência que sua poesia teve entre os poetas brasileiros: “Já se tem escrito que o momento culminante da influência de Baudelaire no Brasil foi o Simbolismo, no decênio de 1890 e primeiros anos do seguinte. Momento fin-de-siècle, rosa-cruz e floral, que viu nele sobretudo a arte-pela-arte, o visionário sensível ao mistério das correspondências e o filósofo, autor de poemas sentenciosos marcados pelo desencanto. Logo a seguir os últimos poetas de cunho simbolista [...] o aproximaram perigosamente das elegâncias decadentes de Wilde e D’Annunzio. Os parnasianos, que vinham dos anos de 1880, também o admiravam, mas nunca o imitaram nem cultivaram tanto, salvo alguns secundários como Venceslau de Queirós e sobretudo Batista Cepelos. E caberia a um heterodoxo, Augusto dos Anjos, levar ao extremo certas componentes de amargura, senso de decomposição e castigo da carne, que se consideravam originárias dele, coadas através de Antero de Quental e Cruz e Souza. Depois do Modernismo não se pode mais falar em influência, mas apenas da presença normal de um grande poeta na sensibilidade dos escritores e leitores.”

CANDIDO, Antonio. Os primeiros baudelairianos. In: ___. A educação pela noite. 5. ed. revista pelo autor. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006, p. 27.

"O Aperto de Mão da Guatemala" (Todd Rohal, 2006)

Segue um comentário breve pelo BlogINDIE (aqui). Meu 
comentário: um dos filmes mais estranhos a que já assisti.  

música de hoje: Nick Cave & The Bad Seeds - "The Carny"