Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 16 de abril de 2016

ser um sueco em trânsito

O SUECO ― Os problemas do Brasil, as mesquinharias de nossa vida pública, a miséria fundamental de nosso povo, todas essas coisas de repente cansam e desanimam uma pessoa sensível. Evandro Pequeno encontrou uma solução: “Eu sou um sueco em trânsito.”
Não saber de nada, não entender uma palavra do que estão dizendo ou escrevendo por aí, não ter nada a ver com nada, não se sentir responsável por nada (muito menos pela famosa dívida externa), não ter vergonha de nada: ser um sueco em trânsito.
E, se possível, como Evandro fazia, tocar fagote.

BRAGA, Rubem. Recado de primavera. 8. ed. Rio de Janeiro: Record,2008, p.98.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

luto

Queria ter o talento e o humor de Xico Sá. Mas tudo o que consigo dizer é que sinto tristeza. Sinto que nada será como antes. Tristeza. Paralisia. Sou profundamente solidária a essa mulher que (ainda) ocupa a Presidência da República. Percebi, desde o começo de 2015, que alguma coisa podia desandar. E eis que estamos à beira de um colapso. É amargo o que uma parcela da população brasileira, na qual me incluo, está vivendo. Amargo, triste, sem esperança. Eu queria não ser muitas coisas. Queria não precisar estar passando por esse momento. Continuo profundamente solidária a Dilma Rousseff. Boa e Velha República: uma vez golpista, sempre golpista. Até que um dia, quem sabe, esse país poderá oferecer alguma coisa de melhor para quem nele, sem escolha, tenha de nascer. 

pois é: humor?

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Murilo Mendes

LAMENTAÇÃO

Nenhum homem tem mais saída:
Antes de nós o dilúvio.
Durante, o tédio no caos.
Depois, o épico escuro.
A esperança desespera,
Os olhos não são para ver
Nem os ouvidos para ouvir.

O diálogo virou monólogo,
Meio-dia é meia-noite.
Todos curvados constroem
Suas próprias algemas.
O longo ai das criaturas
Sobe para o céu
Forrado de espadas.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.386.

o triste e lamentável "day after", ou quando "a esperança desespera" (Murilo Mendes)

aquiali, acolá

quinta-feira, 14 de abril de 2016

lobos solitários

Não seria má ideia ― Deus que me perdoe ― se atacassem Brasília, mais propriamente a Câmara dos Deputados, talvez a pior que o país já teve. Cunha, mestre em sobrevivência, restaria junto com as baratas, com que não se iguala porque elas são melhores que ele.