Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

impressões na fila do caixa

Ir ao mercado tornou-se um exercício dramático de descapitalização ― e de votos de abstinência: vou me abster do palmito; vou me abster do tomate; vou restringir a cebola. Do pão não preciso me abster, pois já não faz mais parte da dieta há algum tempo. O que sinto, percebo, é que as pessoas estão sendo maltratadas nessa alta abusiva de preços, e em muitas outras situações. Em nome de índices fabricados e de contas amargas, os preços dos produtos de consumo diário dispararam, não sem uma dose de má-fé por parte dos donos de estabelecimentos comerciais. Em novembro do ano passado, diante da oferta de maçãs avariadas e hiper inflacionadas, tive um choque de realidade no mercado e considerei a possibilidade de ir a Brasília dar uma bifa na cara de Eduardo Cunha, o político mais sórdido do país nos últimos anos. Porque é claro que há uma relação entre os podres poderes e as maçãs podres, oferecidas aos pobres. Não fui, claro; perderia meu emprego e ganharia problemas com a justiça. O brasileiro reclama, com razão, do preço do pão, do tomate, da cebola. O melhor conselho que ouvi foi também no mercado: deixa apodrecer, não compra. 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

o silêncio atravessa o tempo

Já pensei em fechar este blog, excluí-lo, parar de escrever, ou melhor, de supor que escrevo. Já pensei em editá-lo ― mas mesmo pensar a sério nisso eu não penso. O que tenho na verdade é preguiça, muita, em especial de olhar para trás, fazer revisões. Não quero sobre mim a maldição da mulher de Lot, nem nenhuma outra. A densidade do presente ― do instante-presente que a cada instante se esvai em passado, virando sal, tempo estéril e perdido ― é tal que o silêncio muitas vezes é mais convidativo que a palavra.

domingo, 17 de janeiro de 2016

a morte

Uma das fábulas de Millôr Fernandes termina pela seguinte fórmula: o importante não é a morte, é o que ela nos tira. Quando me pergunto o que a morte de David Bowie me tirou, descubro que a fórmula de Millôr talvez merecesse revisão. A morte importa na medida em que nos tira algo, essa é a sua dimensão. Ela importa, incomoda, pelo que tira, subtrai. 

ainda ecoando