Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

desenredo

Querendo ou não, o nome nos diz. Em torno do nome, vai-se criando uma espécie de nebulosa, em que gravitam apelidos, sensações, fotografias, retratos mentais, flagrantes da memória e uma movente identidade. Na literatura não poderia ser diferente. Uma das personagens mais famosas de Joyce tem um nome belíssimo, Anna Livia Plurabelle. Apaixonei-me pelo prenome, tranquilamente o aceitaria como meu. E, conforme já foi comentado pela crítica, a publicação, pelos irmãos Campos, do Panorama de Finnegans Wake teria influenciado a fatura de Tutaméia, de Guimarães Rosa, o que se faz notar no conto "Desenredo". A personagem feminina domina a trama, chamando-se Livíria, Rivília ou Irvília, conforme diz o narrador aos seus ouvintes. Nos jogos linguístico aparecem, de imediato, LíviaRiver Irlanda, além de outras possibilidades — lírio, vil, rivalidade e, por onomástica, Virília, nome que fica subentendido, com sua conotação tanto de sexualidade quando de aspecto vil, maldade, que a mulher traria associado a isso, o que remete à Eva. Mas, como se trata de um "desenredo", Eva, aqui, é finalmente perdoada. Não deixa de aparecer como Eva, portanto como culpada — Com elas quem pode, porém? Foi Adão dormir, e Eva nascer. (João Guimarães Rosa. Tutaméia: terceiras estórias. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.72). Mas sua culpa é redimida. Haverá outro jeito de desenredar essa história?

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