Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 4 de julho de 2010

Flor do deserto

"Flor do Deserto" (trailer) é uma excelente oportunidade perdida de fazer bom cinema a partir de uma história dramática, potencialmente trágica conforme o ponto de vista. O filme segue o esquema básico de tentar agradar o público, subestimando-o mais uma vez, pois a história da modelo Waris Dirie poderia render uma adaptação cinematográfica bem melhor. Nada se destaca, a não ser a beleza da atriz que interpreta a modelo. O roteiro não convence, é apenas um apanhado de cenas, não há densidade dramática nas atuações. O tema central do filme, a mutilação genital das mulheres, uma prática culturalmente associada à religião muçulmana, não necessariamente uma prática vinculada a esta religião (veja aqui informações fornecidas pela Wikipédia), acaba ocupando uma posição secundária em boa parte do filme, que se perde em cenas por vezes patéticas e infantis. Apenas no final o tema vem à tona em toda a sua força dramática. O que poderia suscitar uma discussão  acerca dos limites da aceitação das diferenças culturais, no que tange à universalidade dos Direitos Humanos, acaba se perdendo em meio a situações prosaicas e secundárias. É a beleza da moça que, em Londres, salva-a de uma deportação e abre-lhe muitas portas, mas antes disso o que efetivamente a salvou - de um destino ainda pior - foi a sua coragem e obstinação, ao fugir sozinha e sem recursos da tribo onde vivia. Isso fica em segundo plano no filme.

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