Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

as margens da alegria (título de um conto de guimarães rosa)

Certo senso comum ― que se reproduz espantosamente no discurso dos profissionais da área da “psicologia” ― insiste na felicidade, sentimento tão improvável, pela constância que pressupõe da condição de ser feliz, ou seu contrário, quando os sinais estão invertidos. Certa feita um psicólogo me perguntou se eu desejava a felicidade, enquanto eu dizia a ele insistentemente que fora lá buscar menos que isso, bem menos, uma coisa pouco pretensiosa e no entanto mais difícil: paz. Mas ele não ouviu, felizmente ele não me ouviu, pois eu pude abandonar logo no início uma canoa furada fadada ao naufrágio. Em hipótese alguma queria saber o que vinha embrulhado no pacote de “felicidade” que ele me oferecia, certamente em troca de concessões impossíveis de minha parte. A proposta me pareceu por demais indecente, embora eu quisesse muito estar enganada. Pois hoje, indo para o trabalho e presenciando a mesma ladainha de sempre – trânsito caótico, a sensação de que a cidade está prestes a desintegrar e as pessoas de repente precipitarem-se no sem sentido da existência, certo desalento por ver os brasileiros tão mal cuidados, e não obstante mostrarem uma disposição notável em aceitar, desde que um mínimo esteja garantido ―, me ocorreu novamente, por contraste, a ideia da impossibilidade da felicidade enquanto o mundo for cruel com as pessoas. Felicidade não, impossível. Mas há um sentimento possível: a alegria, uma espécie de satisfação gratuita em poder viver, saber-se vivo.

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