Onde estou, que já me esqueço,
mais evadido que achado,
por sob a máscara de gesso
com que oculto o meu fado?
Porque tenho que esconder-me
pondo nos cantos da boca
um tal sorriso que, ao ver-me,
deplore essa glória oca?
Eu, que me chamo João,
aonde irei, se não fui chamado,
perdendo os passos no chão
sem que chegue a qualquer lado?
Que mulher de porte egrégio
há-de servir-me de porto
jungida ao meu sortilégio
com um olho aceso e outro morto?
Onde estará meu destino
de rei sem manto ou coroa
rendido ao seu desatino
de pedir à dor que não doa?
E o cão que outrora tive
de magoado focinho
acaso é morto ou ainda vive
perdido do meu carinho?
Onde os amigos fiéis
que morreram, de tão poucos?
Ao meu olhar de revés
onde vê-los, sãos ou loucos?
Onde estou, que já me esqueço,
mais evadido que achado,
por sob a máscara de gesso
com que oculto o meu fado?
BRAGA, Rubem.
A poesia é necessária. Org. André
Seffrin. São Paulo: Global, 2015, p.146-147.