Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Armando Freitas Filho (1940-2024)

 VIAGEM 

Pregado no céu, o gavião feito 

de paciência e espaço 

permanece cruzando, quase único 

a estrada que atravessa, e toca 

nos possíveis violinos silvestres 

que o vento afina lá dentro 

da mata veloz que passa  

na janela do carro: zás, zap 

na paisagem ― a decisão do azul. 

Asas paradas e o olhar duro que 

o asfalto e a distância alimentam. 

 

Boa companhia: poesia (Org. José Almino). São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.99. 

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