Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 6 de maio de 2010

epifania

Epifania é o nome de algo difícil de definir, mas que se experimenta de vez em quando. Acontece uma espécie de suspensão temporária do contexto circundante, e a pessoa se vê, de repente, diante de uma sensação diferente, estranha, que pode acalmar ou não, mas que, certamente, aponta novos rumos, mesmo quando traz inquietações ― e é bom que as traga, pois provoca uma espécie de tectônica de placas (na falta de imagem melhor), e as coisas, os sentimentos, as impressões, o próprio saber sofrem uma reacomodação, o que não deixa de ser um apaziguamento. É um reencontro com o próprio ― e misterioso, porque imponderável ― ritmo da vida. A arte costuma ser um elemento deflagrador, mas também uma chuva mansa ao anoitecer, que de repente isola a pessoa em algum lugar qualquer, calmo, e de si mesma. Estar sozinho diante da imensidão do mar, em praia vazia, costuma trazer sensações inexplicáveis. O que disse Fernando Pessoa, num versinho: "Já viram Deus as minhas sensações..." 

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