Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Simon & Garfunkel

Através do post de um amigo, sobre um curta belíssimo de Walter Salles, "Socorro Nobre" (link do post aqui), reencontrei-me com Simon & Garfunkel, cujas músicas ouvia já nem sei mais em que estação de rádio - ou da vida -, perdidas que estavam em alguma estação da memória. Mas a cena em que toca a música "The Boxer" no filme é mais do que linda - tem um impacto terrível sobre quem está assistindo (seguem as duas partes do curta, disponíveis no youtube: Primeira Parte, Segunda Parte). E de repente uma música esquecida invade  o domingo, no mesmo movimento que transporta para um tempo vago e indefinido - mas quando foi mesmo...? A vida vai passando, as estações se sucedendo, mas ao contrário do cruento narrador machadiano que nos reduz a simples "erratas pensantes", cada edição da vida corrigindo a anterior, até a definitiva, que o editor dá de graça aos vermes, há uma espécie de redenção em viver e tentar trilhar passos justos. A súbita emoção trazida por uma música conhecida (mas esquecida) sendo cantarolada por uma presidiária que tem entre suas poucas distrações ouvir rádio. Meu Deus, que porrada! Aí a gente se dá conta que de alguma maneira é livre. Pelo menos para fazer algumas escolhas. As escolhas - são sempre elas: aquela encruzilhada, naquela curva da vida, em que se tinha aquela cabeça, quando... enfim. Em nenhum momento o olhar de Walter Salles julga - ele fala do sonho, do desejo humano de liberdade e da plenitude. As estações se sucedem, infelizmente mais implacáveis, duras e difíceis para uns que para outros. Por que se fez certas escolhas? Nem sempre é possível responder a isso. Mas é possível trabalhar a partir das escolhas feitas, e muitas vezes a sorte está soprando a nosso favor. A contrapelo, mas está. As escolhas, a sucessão da vida, o momento seguinte modificando o anterior, por sua vez lido de outra forma, deflagrando novas possibilidades de escolhas... 

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