Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 24 de abril de 2016

Augusto dos Anjos

O POETA DO HEDIONDO

Sofro aceleradíssimas pancadas 
No coração. Ataca-me a existência 
A mortificadora coalescência 
Das desgraças humanas congregadas! 

Em alucinatórias cavalgadas, 
Eu sinto, então, sondando-me a consciência 
A ultra-inquisitorial clarividência 
De todas as neuronas acordadas! 

Quanto me dói no cérebro esta sonda! 
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda 
Generalização do Desconforto... 

Eu sou aquele que ficou sozinho 
Cantando sobre os ossos do caminho 
A poesia de tudo quanto é morto! 

Augusto dos Anjos. Eu e outras poesias. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2010, p.193.


Hediondo. Adjetivo. 1 que apresenta deformidade; que causa horror; repulsivo, horrível. Ex.: rosto h. 2. Derivação: sentido figurado. que provoca reação de grande indignação moral; ignóbil, pavoroso, repulsivo. Ex.: traição h., crime h. 

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