Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Graciliano Ramos: trabalho e profissão de escritor no Brasil

Trecho da entrevista concedida por Graciliano Ramos a Homero Senna:

 Já se pode viver, no Brasil, da profissão de escritor?
― Não creio. A última edição das minhas obras rendeu-me 50 contos. Da edição americana de Angústia, recebi 10 contos. Tenho também três livros traduzidos para o espanhol. Mas os negócios na Argentina e no Uruguai andaram mal. Como não tenho o hábito de freqüentar os suplementos e as revistas ilustradas, a literatura me rende pouco.
― Que outras atividades exerce?
― Trabalho no Correio da Manhã e sou inspetor de ensino secundário no Ginásio São Bento.
― Gosta do emprego que tem?
― É-me indiferente. Trata-se de uma sinecura como outra qualquer. Em todo caso, nunca tive uma falta nem tirei uma licença.
― E no Correio da Manhã, qual o seu serviço?
― Corrijo a gramática dos repórteres e noticiaristas.
― Trabalho cacete...
― Nem tanto.
― Gosta de jornalismo?
― Não. Nem me considero jornalista.
― Com essa vida de jornal, naturalmente dorme tarde...
― À uma hora, via de regra. E me levanto às sete.
― Nos seus livros trabalha, portanto, apenas de manhã.
― Exato. Até as onze, mais ou menos.
― E para trabalhar, exige um bom ambiente ou não liga a isso?
― Trabalho em qualquer parte. Angústia foi escrito em palácio, quando eu era diretor da Instrução Pública de Alagoas. São Bernardo, em péssimas condições, numa igreja. Qualquer canto me serve. Mas disponho, hoje, em casa, de uma confortável sala de trabalho: isso que os burgueses costumam chamar de “escritório”...
― Gosta da casa onde mora?
― Em qualquer lugar estou bem. Dei-me bem na cadeia... Tenho até saudades da Colônia Correcional. Deixei lá bons amigos.

SENNA, Homero. República das letras. Entrevista com 20 grandes escritores brasileiros. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 207-208. [1944]

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