Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 12 de setembro de 2010

Sérgio Buarque e a crítica ao beletrismo

“O próprio gosto desmedido da pura literatura, das ‘belas letras’, pareceu-me não raro participar de algum vício de nossa formação brasileira, que inábil para denunciar nos outros, tentei freqüentemente contrariar em mim mesmo. Refiro-me naturalmente a esse gosto que se detém nas aparências mais estritamente ornamentais da expressão e que tende a conferir aos seus portadores um prestígio estranho à esfera da vida intelectual e artística. Fiados no poder mágico que a palavra escrita ou recitada ainda conserva em nossos ritos e cerimônias, e que será sempre de interesse para quem se proponha a pesquisar o complexo folclore dos civilizados, não falta os que vêem no 'talento', no brilho da forma, na agudeza dos conceitos, na espontaneidade lírica ou declamatória, na facilidade vocabular, na boa cadência dos discursos, na força das imagens, na agilidade do espírito, na virtuosidade e na vivacidade da inteligência, na erudição decorativa, uma espécie de padrão superior da humanidade.” (HOLANDA, Sérgio Buarque. “Missão e profissão”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1948, 4ª seção, p.1.)
 

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