Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


domingo, 14 de novembro de 2010

"A raposa e o bode": duas versões

A RAPOSA E O BODE

Uma raposa caiu em um poço e foi obrigada a permanecer ali. Um bode, levado pela sede, aproximou-se do mesmo poço e, vendo a raposa, perguntou-lhe se a água estava boa. E ela, regozijando-se pela circunstância, pôs-se a elogiar a água, dizendo que estava excelente e o aconselhou a descer. Depois que, sem pensar e levado pelo desejo, o bode desceu junto com a raposa e matou a sede, perguntou-lhe como sair. A raposa tomou a palavra e disse: “Conheço um jeito, desde que nos salvemos juntos. Apoia, pois, teus pés da frente contra a parede e deixa teus chifres retos. Eu subo por aí e te guindarei.” Tendo o bode se prestado de boa vontade à proposta dela, a raposa, subindo pelas pernas dele, por seus ombros e seus chifres, encontrou-se na boca do poço, saltou e se afastou. Como o bode a censurasse por não cumprir o combinado, a raposa voltou-se e disse ao bode: “Ó camarada, se tivesses tantas ideias como fios de barba no queixo, não terias descido sem antes verificar como sair.”

Assim também, é preciso que os homens sensatos primeiro verifiquem o resultado de uma ação antes de pô-la em prática.

ESOPO. Fábulas completas. Trad. Neide Smolka. São Paulo: Moderna, 1994. Disponível em não gosto de plágio.


FOPOS DE ESÁBULA
Uma tentativa B.N. (Bossa Nova) de escrever as fábulas de Esopo
 na linguagem do tempo em que os animais falavam.

A BAPOSA E O RODE

Por um asino do destar, uma rapiu caosa num pundo profoço, do quir não consegual saiu. Um rode, passi por alando, algois tum detempo e vosa a rapendo foi mordade pela curiosidido. "Comosa rapadre” — perguntou — “que ê que vocé esti fazá aendo?" "Voção entê são nabe?" respondosa a mapreira rateu. "Vaí em a mais terrêca sível de teste a histoda do nordória. Salti aquei no foço deste pundo e guardarar a ei que brotágua sim pra mó. Porér, se vocem quisê, como é mau compedre, per me fazia companhode.” Sem pensezes duas var, o bem saltode tambou no pundo do foço. A rapente, imediatamosa, trepostas nas cou-lhes, apoifre num dos xides do bou-se e salfoço tora do fou, enquava berranto: "Adadre, compeus!"

MORAL: JAMIE CONFAIS EM QUA ESTADE EM DIFICULDÉM.


FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1999, p.76. 

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