Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Henriqueta Lisboa

JAULAS


De uma para outra jaula.

Com farrapos ou plumas,
cerceando balbucios ou vascas,
é o berço minúscula
jaula.

A cela, a varanda, a casa,
o jardim, a cidade,
com seus itens e suas parlendas,
são enredos ― de vime ou ferro ―
de uma próspera  
jaula.

O alto céu
disposto em toldo, tombando
sobre os flancos da terra,
é uma vistosa
jaula.
Com seus planetas e suas lunetas
assestadas.

Também o cérebro: de si próprio
arquiteto e
jaula:
cego além dos relâmpagos.


Henriqueta Lisboa. Flor da morte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004, p.50. 

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