Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 26 de maio de 2012

Murilo Mendes

SOMOS TODOS POETAS 
 
Assisto em mim a um desdobrar de planos. 
As mãos veem, os olhos ouvem, o cérebro se move, 
A luz desce das origens através dos tempos 
E caminha desde já 
Na frente dos meus sucessores. 
Companheiro, 
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma. 
Sou todos e sou um, 
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego, 
Pelos gritos isolados que não entraram no coro. 
Sou responsável pelas auroras que não se levantam 
E pela angústia que cresce dia a dia. 

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p.298.

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