Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

thelma & louise à brasileira

"A Novela das 8" é um bom filme ruim, como aliás muitos que se fazem por aqui. Mas não é péssimo, horroroso ou impossível de ser assistido (sem constatar o tempo todo a pobreza dos recursos). A ideia é boa — simplesmente o resto é falho, fraco: elenco, direção, roteiro... A ideia, se tivesse sido bem aproveitada, executada, mostraria o dilema fundamental deste país, desde a Colônia: a distância entre o universo da fantasia, na falta de termo melhor, e a realidade — ou, conforme frase lida em ensaio de Roberto Schwarz, saber a diferença entre compensações imaginárias e realidade, não importa o quanto este conceito em si seja espinhoso. O que catalisa a distância entre essas duas instâncias no filme é a boate carioca que inspirou a novela brasileira talvez mais famosa da década de 70: Dancin’ Days. Da novela à boate, as duas “heroínas” atravessam percursos distintos que se tangenciam. Para quem participou do imaginário da novela, o filme vale como uma pálida sessão nostalgia, somente no plano imaginário, obviamente, porque a realidade era dura, minada pela ditadura, e não deixou saudades. Recentemente, em sala de aula, ao comentar o caráter hiperbólico das imagens dos poemas de Castro Alves que clamavam contra os horrores da escravidão no Brasil, voltei-me para uma aluna e disse que nenhuma hipérbole é suficiente para o sofrimento. Ela argumentou que, embora pudesse ser assim, as hipérboles cumpriam seu papel no poema, não traíam o que nele se queria expressar. Voltando ao filme, não há hipérboles ou outros recursos mais expressivos. Há uma tentativa de realidade, a partir da costura de recortes mal enquadrados.

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