Prosseguindo no relato, Nicolau Sevcenko brinda o leitor com a seguinte pérola:
"A afinidade de Picasso com as esculturas ibéricas do período anterior ao romano vinha desde suas ligações com o movimento autonomista da Catalunha, também sediado em Barcelona. Escavações recentes haviam descoberto esse material, que foi rapidamente incorporado como evidência de uma cultura catalã autônoma e antiga nos meios irredentistas, ao mesmo tempo que era exibido publicamente em Paris como curiosidade exótica. Picasso possuía algumas dessas estatuetas, compradas de um amigo, um traficante de arte belga, que dividia o aposento com Apollinaire, e que as roubava assiduamente à coleção do Museu do Louvre." (SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 195.) Neste ponto do relato, Sevcenko insere uma nota e remete o leitor às páginas finais do livro: "Esse traficante belga de arte era um típico exemplar da boemia parisiense. Seu nome era Gery Pieret, e trabalhava como uma espécie de secretário para Apollinaire como pagamento por compartilhar o alojamento com o poeta. Ao que parece, ele tinha obscuras origens anarquistas e veleidades artísticas, que o levaram a contínuas visitas ao Louvre. Ali ele se apercebeu da precariedade geral do sistema de vigilância, passando a roubar pequenos objetos. Que ele roubasse precisamente o que interessava a Picasso, em cujas mãos os objetos iam sempre acabar, parece ser indicativo de que suas atividades clandestinas eram orientadas a partir do Bateau-Lavoir. Um belo dia, precisamente no dia 22 de agosto de 1911, Gery Pieret decidiu mudar o curso de sua vida e partiu para um golpe mais ousado: ele roubou a Monalisa. Roubou e sumiu-se de Paris. Logo que iniciadas, as investigações levaram a Apollinaire e Picasso. Os dois tentaram jogar as estatuetas roubadas no Sena durante a madrugada, mas acabaram depositando as obras numa caixa de correio, endereçadas ao diário Paris Journal. Na sequência, Apollinaire seria detido na prisão de Santé, onde ficaria cerca de um mês até ser libertado, enquanto Picasso se refugiava no interior do país, para evitar ser deportado e entregue ao Exército espanhol, em cujas mãos muito provavelmente teria sido executado como anarquista e desertor." (Idem, p. 336, nota 103)
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