Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 19 de julho de 2010

"Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo"



"Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo", de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz (seguem algumas críticas do longa: Pipoca Moderna, Época, Fred Burle no Cinema), é um filme sobre a solidão humana. A viagem funciona como recurso de que dispõe o personagem, o geólogo José Renato, para fazer o trabalho de luto pelo fim de uma relação de amor, seu casamento com uma botânica que ele refere o tempo todo como "galega". Aos poucos, fica-se sabendo que a história acabou, e que a viagem é uma tentativa de elaborar o fim. A desolação da paisagem natural confunde-se com o abandono e o sofrimento do personagem. Isso fica claro nas falas sobre geologia: a referência às fissuras das rochas nunca é isenta de uma confluência com as fissuras que atravessam o personagem. Melhor dizendo: a insistência nas fissuras é signo de que, o tempo todo, o geólogo está falando de si, de seu sofrimento, de suas fraturas. No melhor estilo road movie, o personagem, entre a ficção e o documentário, vai ao encontro de outras histórias de desamparo e solidão, o que lhe permite redimensionar o sofrimento. A viagem sequer parece comportar um retorno, e talvez não haja mesmo qualquer possibilidade de retorno, quando o tempo entra como elemento da paisagem. À dada altura ele diz: "viajo porque preciso, não volto porque ainda te amo". O ponto culminante do filme, não da viagem, é uma verdadeira pérola que faz significar o tempo no contexto da viagem: uma placa no alto de uma espécie de torre, numa cidade prestes a desaparecer pela inundação de uma barragem a ser construída: "HOMENAGEM DO POVO DO SÉCULO XIX AO POVO DO SÉCULO XX". Impossível não rir da ironia que atravessa a singeleza de um gesto que, destinado a ser mais que o tempo, é também por ele devorado.

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