Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Ararat (Atom Egoyan, Canadá/França, 2002)

Ararat não é um filme fácil. É um filme político, no sentido forte da palavra, e o entrecruzamento dos planos político e existencial, na tessitura fina da fórmula filme dentro do filme, rende um enredo que prende a atenção do início ao fim ― acima de tudo, uma história profundamente humana. Cada personagem carrega consigo um conflito a ser elaborado ― e talvez a grande mensagem do filme seja um apelo à tolerância, ao convívio com a diferença. Reproduzo aqui o trecho inicial de um comentário que encontrei, que ajuda a situar a história: “Ararat não é um grande filme mas é certamente um filme que tinha de ser feito e um filme que merece ser visto. Ararat é também a maior montanha do atual território da Turquia, próxima das fronteiras com o Irã e com a Armênia, e o símbolo nacional deste último país, ainda que se encontre em território turco. Ararat assistiu a partir do dia 24 de Abril de 1915 ao extermínio maciço de cerca de um milhão de armênios pertencentes ao então decadente Império Otomano. Ainda hoje o governo turco nega que tal genocídio tenha acontecido. Antes da invasão da Polônia, Hitler teria dito aos seus oficiais: ‘Afinal quem se lembra do extermínio dos armênios?’” (Portal Cinema). Não há propriamente um eixo central, mas várias narrativas se cruzando, perpassadas pela questão: como lidar com, e resgatar, algo de que a memória coletiva não chega a tomar conhecimento, enquanto a memória pessoal (ou quem sabe de um grupo) não consegue olvidar? De que forma a arte pode resgatar essa memória? Talvez por aí se possa escolher um eixo, a vida do pintor Arshile Gorky, que tem sua história (não se sabe com que dose de ficção) filmada na técnica "filme dentro do filme". Então muito do filme gira em torno da arte ― há uma sofisticação intelectual tangenciando todas aquelas vidas, o que aguça a angústia em relação à luta pelo resgate de uma memória que tende a ser obscurecida. Mas a questão aqui é outra: nenhuma sinopse ou comentário dá conta de Ararat ― o único jeito é assistir, não importa se para gostar ou detestar.
Arshile Gorky, Good Hope Road (Hugging), 1945
oil on canvas, 64.7x82.8 cm (25-1/2 x 32-5/8 in.)
Thyssen-Bornemisza collection
fonte: 
http://www.martinries.com/article2007AG.htm

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