Gosto de imaginar que ilhas significam-se ― fazem-se dizer por signos ― mediante barcos que se aventuram nas águas que as separam, mas também as unem: as águas podem ser oceânicas ou simples veredas, salgadas ou doces, profundas, turbulentas e mais difíceis de navegar, ou arroios cristalinos que escorrem transparentes entre pedras e vegetação de grande frescor. Os barcos, as palavras. E tudo o mais que diz respeito à palavra afeto, no sentido de afetar, atravessar. Escrever e ler são pontas de ilhas que se fazem significar ― os trajetos dependem dos barcos, das ilhas, das águas que as separam. Este blog não pretende nada, exceto lançar barcos que eventualmente alcancem outras ilhas. Barquinhos de papel.


sábado, 2 de outubro de 2010

Estado x Religião

A propósito de um e-mail enviado por um amigo, advertindo para o perigo de eleger-se para o Congresso Nacional deputados e senadores com vinculações religiosas, e dado que amanhã será dia de eleição aqui no Brasil, ocorre-me este trecho de Reinhart Koselleck, cuja obra, Crítica e crise, analisa a instauração do Absolutismo e a longa negociação travada para que as guerras civis de religião não matassem tanto ou mais que as guerras contra outros domínios. Era precisa apascentar os ânimos e submeter todos à mesma lei. Esse foi o preço pago para a emergência do Estado moderno. Como tal, o livro de Koselleck é de uma atualidade bastante pertinente, no mínimo para que não se regrida em relação a conquistas históricas concernentes à laicização do poder e do saber. Segue um trecho: "O advento da inteligência burguesa tem como ponto de partida o foro interior privado ao qual o Estado havia confinado seus súditos. Cada passo para fora é um passo em direção à luz, um ato de esclarecimento. O Iluminismo triunfa na medida em que expande o foro interior privado ao domínio público. Sem renunciar à sua natureza privada, o domínio público torna-se o fórum da sociedade que permeia todo o Estado. Por último, a sociedade baterá à porta dos detentores do poder político para, aí também, exigir publicidade e permissão para entrar. A cada passo do Iluminismo, desloca-se o limite da competência, que o Estado absolutista havia tentado traçar cuidadosamente, entre o foro interior moral e a política." (KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Trad. Luciana Villas-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro: EdUERJ; Contraponto, 1999, p.49.)

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